“A trabalhar de sol a sol”

A vida cá na aldeia durante a minha infância, era uma vida reles. Tinham que andar aí a trabalhar de sol a sol nas fazendas. Ir ao mato, à lenha e a tudo. Passava os dias sem fazer nada. Andava com os meus pais, ia para onde eles iam. Andava por lá. Não fazia nada! Às vezes, ainda andava a empatar. Mesmo não estando os filhos todos juntos a vida não era fácil. Eu ainda estive em casa de uma tia minha, irmã da minha mãe, no Monte da Caparica. Quando fui para lá tinha 10 anos. Não estava lá a estudar, estava a fazer qualquer coisa que era preciso. Estive lá três anos e meio. Ela trabalhava numa quinta, mas era dela. A filha casou-se, a mãe da Ana, e ela pediu ao meu pai para me lá deixar ir. O meu pai tinha feito uma operação a uma perna e eles é que por lá lhe valeram, porque a minha mãe até lá foi estar. Como eles lhe pediram para me deixar ir, tive de ir. Lá na quinta, ajudava a minha tia. Bem, lá lhe fazia qualquer coisa. E, às vezes, quando ela ia para a venda, levava uma canastrita com umas batatas ou o que lá tinha para vender e ia com ela. A minha tia como pagamento dava qualquer coisa ao meu pai. Já era bom o que ela me dava, mas ela dava-lhe também qualquer coisa. Gostava de lá estar, porque tratavam-me bem. Mas depois casou-se a minha irmã e o meu pai disse que precisava que viesse para Soito da Ruiva. E vim-me embora. Não vim ao casamento. Eu tinha uma sorte que não ia a casamentos nenhuns. O da minha prima lá fui, mas o da Ana já ela se tinha casado quando eu para lá fui. E a minha irmã também já se tinha casado quando vim. Durante a minha infância não fazia nada, nem renda. Era pequenina e os meus pais também não tinham dinheiro para comprar as linhas. Não era só por ser caro. Eles é que não tinham o dinheiro. O meu pai, que Deus tem, quando ia para Lisboa, a maioria das vezes tinha que se vir embora, porque tinha uma raça de um reumático que era preciso levantá-lo, deitá-lo, era preciso tudo. Não ganhava nada. E depois, a gente aqui também nada ganhava! Sabe Deus como a gente vivia! Eu não tinha assim muitas brincadeiras. Quando era de noite, entretinha-me em casa com estas coisitas. Andava muito com a minha avó aqui na aldeia. Ela vivia numa casita aqui perto. Durante muitos anos fui dormir com ela. Às vezes, também rezávamos juntas. Toda a gente gostava dela porque andava como um burro de carga. Andava aí sempre carregada para estes e para aqueles e não levava nada. O que ela lá desse nas feiras era o que cá levava. Devia ter aí uns 15 a 20 anos quando ela morreu.