“Era difícil viver aqui na aldeia”

Quanto era nova, era difícil viver aqui na aldeia. De manhã, a gente levantava-se e ia buscar molhos de mato. Ia lá ao cimo à serra, que muito gado comia no mato e eu é que ia guardar o gado. Íamos descalças por aqueles matos fora! Silvas, tojos, tojeiros... picavam! E a gente descalça! Pisava-se muita pedra a ferver e borralho! Quando era no Verão aquilo fervia e a gente descalça! No Inverno era muito frio, muita neve, chuva, vento, mas no Verão era muito calor. Muita vez, fui à missa a Pomares descalça. Não tínhamos chinelos, não tinha um sapato! Hoje, temos dúzias! São dúzias de pares de calçado e de roupas. Antes, comprava-se uma roupa para uma festa e durava para quatro ou cinco anos. Em se chegando de onde a gente vinha, arrecadava-se, dobrava-se e punha-se numa mala. Hoje, não! - “Já não quero isto, não gosto disto, vai para o lixo!” Mas quando me eu criei não era assim. Era eu e toda a gente. Íamos lá a serra buscar um molho de mato cá para baixo, porque o gado era muito e comia-o todo. Em chegando, era agarrar numa enxada até ao pôr-do-sol. Não era doce! Passou-se muita dificuldade, muita, muita. E os meus filhos também passaram ainda muita dificuldade, porque iam ao mato e em cá chegando tinham que cavar a terra. Depois vínhamos, comíamos e agarrávamo-nos à enxada nos nossos terrenos. De manhã à noite a cavar terra para cultivar as batatas, o milho, o feijão, a vinha, a oliveira para a gente se poder orientar todo o ano. O milho era muito, para quem tinha muita terra. As uvas, haviam umas mais temporãs do que outras. Nas soalheiras amadureciam mais depressa. Se fosse nas avesseiras, demoravam mais. Ora, não se fazia tudo numa semana nem em duas. Eram meses! Aquilo dava! Havia pessoas na aldeia que tinham muito milho, andavam a apanhar a azeitona e ainda a estender o milho. E eu para regar a partir das levadas, era ali um bocado, ali outro e cada um era regado pelo seu lado. Eu regava por mais de 16. Só que eu tinha muitas que eram só poças. Eram hoje minhas de manhã, para a outra semana era à tarde. Havia guerras de horas, porque a gente tinha que ir tapar à hora certa porque se a deixasse passar, ao fim, os vizinhos já não a davam. Diziam: - “Então deixaste passar a tua hora e agora vens aqui procurar a dos outros?” Não podia ser. E havia brigas! Hoje não, ninguém se importa e até fica muita terra que ninguém rega. Mas naquela altura, tinham todos o relógio! E por um minuto guerreavam uns com os outros! - “Porque ainda falta um minuto.” E outro: - “Porque já está.” E era aquilo assim. Naquele tempo era uma miséria. Não era só uma pessoa, eram todos. Tudo era pouco para poderem viver. Também levávamos a merenda para as fazendas. Que é que era a merenda? Era broa e queijo que a gente levava para comer. Hoje dizem “lanche”, mas naquele tempo era a “merenda”. E levávamos uma lata no Verão com uma colher de lata. Não era destas que se usam agora, era uma colher de lata. Dentro da latita de litro, com uma tampa, ordenhava-se uma cabra. Agora a gente diz que é “mugir”, mas a gente não dizia “mugir”, era “ordenhar”. Na altura, segurava uma cabra, ordenhava para a lata, botava-se-lhe a broa e comia-se assim. E comida, era uma sardinha para dois! O conduto também era caro, era preciso ter dinheiro. Eu quando me criei era assim. Depois que me casei, o meu marido já mandava muito bacalhau. E matava o porco, que já dava para mim e para os filhos. Tinha batata, feijões... Já era melhor. O tipo de comer era sopa, batata, castanhas, feijão e a broa. Era feita numa panela de ferro. A minha mãe, quando me criei, já tinha panelas e tachos de esmalte, que ainda nem toda a gente tinha. Eram tachos como agora são de alumínio e inox. Eram em redondo para fazer o comer em cima do lume. Então, a gente punha a panela de ferro ao lume e depois tirava a comida para aqueles tachos de esmalte para ir à mesa. Depois jantávamos. Quando calhava, jantávamos juntos. Uns jantavam ao meio-dia, outras era à uma hora, outros mais tarde.