“Trabalhar nas fazendas ou a andar a carregar pedra”

Assim que se podia fazer mais alguma coisa, com os 10 anos ou 12 anos, já não nos queriam a guardar gado. A gente começava a fazer outro trabalho. Era a trabalhar nas fazendas ou a andar a carregar pedra para as casas, que eram feitas de pedra. Deixávamos o gado para ir à pedra. Passava a ir a minha irmã com o gado. Então faziam-me andar a carregar. Eu e mais as outras da minha idade, mais velhas e mais novas. Sempre fui para a pedra e carreguei muito peso. Muito, muito! Comecei de nova a andar naquilo. Também iam lá as outras com as mães, já mais crescidas. Podiam trazer carregos maiores, porque eram mais crescidas. As da minha idade ainda lá não andavam. Ainda não quiseram ir. Não tinham tanta precisão! Íamos lá para dentro, para o pé da piscina. E outros mais aqui em baixo noutro valeiro, também. A carregar e descalças! Carregávamos a pedra e a terra, porque as pedras eram colocadas na terra amassada, para agarrarem. No barro! Íamos buscar madeira a muito longe, porque as casas eram feitas de pedra e de madeira. Não é como agora! Agora são com vigas, cimentos, telha e tudo. Naquele tempo, não! Agora vêm as camionetas descarregá-las mesmo aqui ao povo. As raparigas, as mulheres, não sabem o que era aquilo, não! A gente tinha de carregar tudo às costas! E não eram ordenados certos. Primeiro, começavam a ganhar cinco escudos. Ao fim, depois, passei para 7.500 escudos ao dia, de sol a sol! A gente começava nascendo o sol até a ele se pôr na serra. Uma vez, aqui uma tia minha fez lá em baixo uma palheira e chamou-me para lá ir. Eu era novita ainda, mas a gente precisava. E disse-nos: - “Olha que gostava de falar com a tua mãe para ver se te deixava lá ir carregar umas pedras, se nos ajudavas.” E a minha mãe disse assim: - “Não, que ela é muito nova ainda. Ela ainda é muito nova.” Então com 10 ou 12 anos, o que é que eu ia ganhar também? Mas, bem, a gente precisava. E depois quando foi para me pagar, ela levava lá a conta do dinheiro como a das outras mais velhas. E a minha mãe não queria aceitar. Disse: - “Não, não aceito, porque ela é muito mais nova e ela não pode ganhar como as outras mais velhas.”< - “Mas é que eu quero-lhe pagar assim, porque ela trazia os carregos iguais, que ela não se rejeitava a nenhum. Então, merece o mesmo.” E pagava-nos o mesmo. Depois dava o dinheiro à minha mãe, porque tinha de comprar tudo para casa. Ela não tinha de onde viesse nada, porque o meu pai, Deus o tenha, também andou em Lisboa sete anos sem cá vir e sem nos mandar nada. Ela precisava de comprar condutos, a sardinha ou bacalhau, ou qualquer coisa para a gente comer. Sardinha, vinham cá vender. E também cá havia a mercearia. A gente, às vezes, também se ia aviar à mercearia. E, às vezes, ia à feira de Avô. Era preciso, às vezes, um aventalzito. Primeiro usavam-se uns aventalzitos, com uma blusita. Tinham que comprar aquilo com o dinheiro que eu ia ganhar. E era assim. Mas passou-se muito mal, muito mal!