“Já fez 50 anos”

A aldeia mudou muito com a Comissão de Melhoramentos. Já fez 50 anos. A primeira coisa que fizeram foi uns pontões para atravessarem as ribeiras de um lado para o outro, para as fazendas. Primeiro, passavam-se pelas barrocas. Punham pedras aquém e além, mas quando ia passar por cima delas, a água era muita, alçava-se e, às vezes, as pessoas caíam para as barrocas. Depois começaram a fazer os pontões e a compor escadas por aí onde era preciso. Foi a primeira coisa. Ao fim, começaram a compor as ruas, também. Havia aí umas penedas que não se podia passar. Têm feito muita coisa. Fizeram os esgotos. Trouxeram a água da rede cá para a povoação. O museu ainda há poucos anos foi feito. Eu tenho a chave, mas agora entreguei-a à Ana, porque ela, às vezes, vem ver qualquer coisa. Às vezes, vêm pessoas de fora. Umas ficam admiradas, outras também vêem nas outras terras. O rancho também foi feito ainda há poucos anos pela Comissão. Eu nem sei em que ano é que começou, mas ainda não há muito. Antes não havia nada disso. Elas lá se juntaram todas e começaram a aprender as músicas da terra. As cantigas que elas cantam já são muito antigas. As pessoas cantavam-nas lá pelos matos quando iam atrás do gado e pelo meio do milho quando andavam a regar, de noite. Cantavam muito quando andavam a regar de noite. Eu agora já não me lembra que tenho a memória fraca e também não era das que cantava. Mas o rancho tem dado e as raparigas gostam. Falta é o dinheiro. O dinheiro é o que é o pior, porque se houvesse... Mas não há na Câmara, não há na Junta, não há na Comissão... Agora acho que os melhoramentos acabaram, porque se houvesse dinheiro... Em havendo dinheiro há tudo. Não havendo dinheiro não há nada. Mas bem, vai-se andando. A aldeia tem sido muito desenvolvida, mas gostava que viessem mais pessoas para cá. Mais jovens! Mas os jovens não vêm já para cá. Muitos não querem vir. Alguns estão reformados e dizem que não vêm para cá! Como é que para cá hão-de vir os jovens, se eles não se governam? Eles nem sabem, nem querem trabalhar nas fazendas. Eles nasceram lá e lá foram criados. Têm vindo pelas festas, mas não ligam nada a isto.