Trabalho na Cortiça - “Estive numa fábrica de cortiça”

Quando saí da tropa tinha de arranjar emprego. Mas em Soito da Ruiva não havia emprego. Até lá por Lisboa, estava muito mal. Não havia trabalho. Os homens iam daqui, mesmo os do meu tempo, e não havia trabalho. A gente ia pedir a um lado não havia trabalho. Ia pedir outro não havia trabalho. Não havia nada. Ainda apanhei lá das boas. Na altura em que fui para Lisboa, foi através de um cunhado meu que já estava lá e arranjou-me um trabalho para os caminhos-de-ferro de Santa Apolónia. Andei lá umas três semanas. No fim de três semanas, mandaram-nos embora. Não tinha para onde ir e como o meu irmão estava do outro lado, na Piedade, a trabalhar, fui para o pé dele. Lá estive a morar uns com os outros num barracão. Era pior que sei lá o quê! Talvez que um curral de gado. Estava lá toda a malta jovem e assim vivíamos até voltar para a minha terra. Primeiro estive numa fábrica de cortiça, também na Piedade, durante 10 anos. Na altura estava a viver na casa dos Gameiros, onde trabalhava. Às vezes, mandavam-nos para o Alentejo. Uma vez, estive no Ribatejo, em frente à praia, em Tancos. Trabalhávamos perto do rio. A cortiça estava nas pilhas e nós tínhamos que pôr prensa, molhar e fardar com os arcos e tudo. Estive três meses no Ribatejo, a fardar essa cortiça. Para dormir, púnhamos um fardo para o alto e umas pranchas de cortiça por cima. Fazíamos o comer na rua. Logo que acabou esse serviço, viemos outra vez para a fábrica. Lá fazíamos o que podíamos. Era uma fase ruim, por causa do pó da cortiça. As rolhas iam às rebaixadeiras e faziam muito pó. E a gente tinha que encher aquelas sacas. Por causa do pó, púnhamos um lenço na mão, atravessando diante da boca e nariz para assim encher a saca. Ainda assim, o pó entrava para as goelas abaixo. Era muita gente a calcar as sacas e havia aquele pó por cima. Foi duro. Tinha meses inteiros naquilo, a encher aquelas sacas muito grandes. Da Piedade para o meu trabalho demorava cerca de um quarto de hora para cada lado. Nós tínhamos que ir a correr almoçar a casa e íamos descalços pela Piedade fora a correr. A gente tinha de comer, às vezes ia à taberna buscar qualquer coisita para comer. Era uma vida muito dura. Ficávamos doentes. Mas tínhamos que fazer exames e se tivéssemos alguma coisa tínhamos que nos tratar. Nessa altura recebia 30 mil e 800 escudos. Esse dinheiro era para mandar para a minha mulher que estava cá na terra. Na altura, já estava casado e já tinha o meu filho mais velho.