“Quando era miúdo, as famílias eram grandes”

Quando era miúdo, as famílias eram grandes. Havia cá muita gente. Aqui na aldeia era quase tudo familiares, quase tudo primos. Fazíamos aí coisas... A gente saltava paredes até lá em baixo ao fundo, era de admirar! Era um pouco perigoso, às vezes, partia-se uma perna. Quando a gente chegava a casa, à noite, a roupa estava toda molhada do suor de andar atrás uns dos outros. Aquilo eram umas paródias! A brincadeira que tínhamos era andar uns atrás dos outros. Fazíamos aquilo a que se chama de jogo da malha. Era assim: a gente fazia uns riscos na terra onde depois botava uma pedra ao alto e mandávamos a pedra. Aquele que a tombasse é que ganhava. Depois íamos saltar àquilo tudo. Chegávamos lá e voltávamos para trás, para pôr os pés naquelas passadeiras. Nesse tempo havia cá muita rapaziada. Eu não sei quanto seriam, mas à noite juntavam-se aqui em baixo no meio do povo. Havia uma brincadeira que chamavam “o primeiro que vier bater à porta é que ganha”. Às vezes, o dono tinha a porta da loja fechada e quando chegava de manhã encontrava-a aberta. Porque eles iam com as mãos para bater na porta e botavam-na para dentro. O dono começava a berrar e a resmungar. Era de rir! Brincávamos também às escondidas. As raparigas também brincavam connosco. Por vezes, brincavam umas com as outras e com os rapazitos mais novos. Assim eram as nossas brincadeiras até a noite, até quando o sol começava a escapar do povo. Na altura da Páscoa havia o jogo do cântaro. Fazia-se uma roda e atirava-se o cântaro uns aos outros. Alguns iam para o chão e ficavam em bocados. Quando partia, tinha que se arranjar outro para voltar a brincar. Era uma barrigada de rir. Recordo-me que comi muito urtigas. A minha mãe misturava uma folhita de couve com as urtigas e com carne de porco. Eram muito boas. Preferia isso às abóboras. Sopa de abóbora é que não comia! As urtigas bem arranjadas eram bem boas. Como havia falta de hortaliças, tínhamos que nos sujeitar. No Inverno nevava e nós, rapazitos, juntávamo-nos ao pé da barroca e brincávamos com a neve. Fazíamos bolas muito grandes, as quais ficavam a derreter durante meses. Por altura do São João, em Maio e Junho havia muita fruta. Não havia à volta outra terra com tantas cerejas. Havia cerejeiras em todo o lado. Mas tudo desapareceu com o incêndio. É como as oliveiras: tudo foi queimado! Aqui para fazer o azeite iam ao lagar de Pomares. Este ano não fomos porque não havia azeitonas.