“Todos matavam porcos”

Todos matavam porcos, só aí havia duas casas, que eram muito pobres, que não me lembro de nunca matarem porco. Toda a gente na Benfeita matava porco. E alguns até dois e três. Até a minha mãe quantos anos tivemos de matar dois porcos.

Criava-se com os produtos que havia aí. Era a carne muito mais saborosa do que é hoje. Era criada com os produtos que se criavam, com batatas e hortaliças. Depois normalmente nas proximidades do Natal e Ano Novo é que se matava o porco. Era sempre um dia diferenciado. Esses malandros às vezes diziam:

- “A gente só tem duas alegrias na vida é o dia em que morre a sogra e o dia em que mata o porco.”

E então fazia-se a matança, convidava-se as pessoas da família, o avô, o tio e o primo e agarrava-se e matava-se à facada. Pendurava-se lá nas lojas e ia-se cortando dali. Ia para a salgadeira, as peças mais fortes. E ia-se comendo dali todo o ano. Depois punha-se ao fumeiro os presuntos e era um governo para todo o ano. Aproveitavam tudo. Faziam enchido. Fazia-se um fumeiro e as chouriças guardavam-se em azeite. Havia umas panelas vidradas, ou de esmalte, mas normalmente eram vidradas que eram mais baratas e guardavam-se ali as chouriças cobertas com azeite. E depois ia-se comendo dali. Tirava-se uma chouricita para fazer um arroz ou uma batatas, uma coisa qualquer e ia-se comendo dali. Naquele tempo não havia frigoríficos e era a maneira de conservar a carne para se ir comendo.

Nunca foi assim o meu amor, o meu estômago nunca se deu muito bem com aquilo, aquelas carnes já retardadas mas tinha que se comer, não havia outra coisa. E a sardinhita e o bacalhau e toca a andar. Era o que se comia naquele tempo. Ia-se à feira de Côja todos os meses buscar sardinha e bacalhau. Havia pessoas que iam lá buscar sardinha para todo o mês. Chegavam a casa punham lá numas carquejas, deitavam-na ali e ia-se comendo dali. Às vezes já amarela, passava- se as brasas, e vamos embora não há cá nada. Não há cá outra coisa. Agora é uma fidalguice.

Às vezes havia uma sardinha para cada um. Quando não era metade. E os nossos pais estavam sempre a dizer:

- “No tempo que eu me criei uma sardinha era para três e o que ficava com a cabeça era o que ficava melhor.”