“Naquela altura o namoro era por cartas”

Naquela altura o namoro era por cartas. A gente escrevia. Ela escrevia-me e eu escrevia-lhe. Em primeiro, não se via namorar como agora. Uma pessoa não se podia chegar ao pé da rapariga como agora. Guardavam-nas aí que eu sei lá! Ás vezes namorávamos na cozinha, à “noute”, mas a mãe estava sempre ao pé! Não deixavam estar a gente sozinhos. Nos bailes, mesmo quando andasse a namorar, podíamos dançar, mas as mães iam acompanhar as filhas ao baile. Tive que pedir a minha esposa em casamento ao meu sogro e à minha sogra. O meu sogro estava em Lisboa e depois quando vim à terra tive que falar com a minha sogra. Casei em Soito da Ruiva. Fomos recebidos na capela, em Fevereiro de 1963. Naquela altura quem comprou a roupa da minha mulher foi o meu pai e a minha mãe. Mas tive que a pagar. Eu é que lá fui com ela. Em primeiro, o hábito daqui era o noivo quem comprava as roupas para a noiva. Tinha que ser. Não eram os pais dela. Recordo-me que o meu pai e a minha mãe foram à feira de Avô, levaram-na e escolheram a roupa, calçado e essa coisa toda. Os pais da mulher não pagavam o enxoval como agora. No dia, ela levava vestido uma saia e casaco, um xaile de merino. Vestidos como agora usam, nessa altura não havia cá. Eu levava umas calças, casaco e chapéu. Naquela altura usava-se chapéu. A festa, onde a gente comeu, foi numa casa próxima à Torre do Relógio. Era a casa da minha sogra. Foi no andar de cima, mas estava diferente do que é agora. Agora está bem arranjada. Tinha dois quartos, os quais tiveram que desocupá-los. Uns estavam a comer na sala, outros num quarto, outros noutro e ali é que se fez a festa. Ainda me recordo, naquela altura era uso os convidados dar uma rês, porque quase toda a gente tinha gado. Ainda me recorda, matou-se dez cabeças, entre grandes e pequenas, para o nosso casamento. Depois andava-se a comer à fartura de quarta até passar o casamento, até domingo ou assim. As pessoas tinham que ajudar-se umas às outras, porque faziam muitas coisas. Assavam-se muitas carnes, coziam duas ou três fornadas de pão, arroz doce, faziam a tigelada e essas coisas todas boas. Depois tinha que haver as outras mulheres para ajudar, mas eram as convidadas, que a gente não ia convidar a população toda. A gente só convidava, por exemplo, os irmãos, os tios, os avós. E então tinham o hábito de a pessoa que era convidada dar uma cabra, uma ovelha ou um chibo e preparavam tudo. Vinha cá um, até era do Sobral Magro, matar o gado e depois ia assando. Não se assava tudo naquele dia. Estavam sempre dois fornos a trabalhar até ao dia do casamento. A carne ainda era mais à fartura do que agora se vê nos casamentos. Enquanto houvesse carne, todos os convidados comiam lá, não iam comer a casa deles. E depois ainda tínhamos uma coisa: eu e a minha mulher no dia após o casamento, ela ia chamar as raparigas e eu ia chamar os rapazes e os homens lá para casa para irem comer. Não se ia levar à pessoa. Todos iam a nossa casa para termos sempre a mesa posta para a gente comer. Era o hábito de cá.