“Uma vida muito dura”

Era um senhor que andava a arranjar pessoal que levava a gente para o Alentejo. Vinha a camionete buscar a gente, aqui em baixo, à Vide. Para lá, íamos a pé. Eu agora demoro mais tempo mas, noutro tempo, iam para lá em duas horas. Não, até passava de duas e tal. Andei lá cinco anos, mas era só aos nove meses. No fim dos nove meses, vínhamos para cima cá estar dois ou três meses, porque lá era frio. Aí ao fim de dois ou três meses - lá para o dia 29 de Setembro - é que a gente abalava para baixo. Era uma vida muito dura, muito dura.

Eu trabalhava na fazenda. Ora cortar mato com uma enxada, ora cavar as vinhas, fazer as vindimas e “descaldeirar” vinho. Depois, andarmos à azeitona, a apanhar favas, a cortar trigo. Era começar a gente de manhã, ao nascer do sol, até à noite. E o sol a queimar nas costas! A gente aqui, se tem calor, olha, vai-se embora para casa. Quando está chuva e estou na rua, vou para minha casa. Lá não se andava à chuva, as mulheres. Íamos embora para casa, para o quartel. Ora, os homens andavam! Às vezes, iam trabalhar. Então, eles podiam melhor que as mulheres.

Lá, estavam dois quartéis. Era um para as mulheres, outro para os homens. Lá nuns quartéis muito grandes é que dormiam. Homens para um quartel e as mulheres para outro. Cada um tinha a sua cama. Não havia malandrices. Que me eu lembre, não. Depois, um senhor, o capataz, mais a mulher é que tomavam conta de nós. A casa para onde a gente ia trabalhar dava-nos a alimentação. Era o senhor Manel Farroba e o senhor Horta, que é da Lagoalva. Então, davam feijão, arroz, massa, farinhas, azeite, grão... A nossa alimentação era essa. Lá tínhamos uma cozinheira. Acendiam o lume com muita lenha, punham as panelitas tudo de roda do fogão e lá fervia. Botavam-lhe azeite na panela e era papas, arroz, feijões, farinha cozida... Mas aqui a comida é melhor! Ai, faça favor.

Não me lembro de nenhuma história do Alentejo. A gente lá não via alentejanos. Era longe que eles estavam. Mas havia lá muita gente, muito rancho. Então, juntava-se aquela malta toda, os das quintas também se juntavam com os de Foz d’Égua, e iam à missa. Depois iam dançar até à noite. Era trabalhar e, aos domingos, dançar! Quase que já me não lembro. Então, há tantos anos... Mas ainda dancei com o meu marido. Eu também sei dançar! Ainda hoje sei.

O trabalho dos homens e das mulheres era tudo igual! Recebiam igual, mas era pouco. E pagavam só no fim da invernada, no fim dos nove meses. No outro tempo, era só 3, 4 contitos... Aqueles que traziam 4 contos era preciso soprar muito. A gente lá é que, às vezes, lavava a roupa a um homem ou dois para ganhar aquele dinheirito para as nossas despesas. Mas chegávamos cá, era mal para a roupa para a gente comprar, para a gente vestir. E eu dava o dinheiro ao meu pai! A gente não era senhorazinha como agora.

Hoje, que reformas é que a gente tem aqui? Eu só tenho uma reforma de 72 contos, é pequenina. Bem, mesmo assim darem-me este dinheiro já há 11 anos. Já é bem bom.