Memórias de um casamento de 50 anos

Em fé casei, estive ali na Fajoeira quatro meses com a minha sogra e depois comprei, em Foz d’Égua, uma casa aos meus tios. O meu marido não queria estar lá acima e eu também gostava mais daqui. Estava mais perto do mato e da lenha. Então, os meus tios morreram, os herdeiros disseram que vendiam a casa e nós comprámos. A casa estava com madeiras e as madeiras estava tudo podre. Pusemo-la toda com o ladrilho novo e de roda também a rebocaram. Os quartos e a cozinha foi tudo pintado. Estou, na minha casa, há 50 anos. Foi lá em cima, na terra do meu marido, e na Foz d'Égua. Fiquei cá sempre e cá estou até dar o resto da vida.

O meu marido continuou à mesma para o Alentejo e eu fiquei cá. A gente não podia passar sem dinheiro. Ele tinha que ir para onde houvesse dinheiro. Ia justo aos nove meses. Findando os nove meses, vinha cá. Iam para o dia 29 de Setembro e vinham no fim do mês de Maio. Então, ele escrevia cartas e eu mandava-as fazer. Escreviam os meus irmãos e, às vezes, faziam-nas até à vontade deles. Eram umas raparigas do Piódão que levavam as cartas. Iam a Pomares buscar de manhã. Vinham pia fora e depois punham-nas no Piódão, lá numa taberna. Aos domingos, a gente ia procurar o correio. Se havia, trazia, se não havia, não trazia. Era assim.

No que podia ser, temos que remediar sem o outro. Vim para aí cavar terra para cultivar milho, para dar aos porcos e para dar verdura para as cabras. O meu marido trabalhou lá muitos anos. Já trabalhava de solteiro. Mas, no findo de casar, só foi andar mais um ano ou dois. Não me lembro que idade tinha. Depois foi para a resina, já não voltou lá mais para o Alentejo. Foi a vida de resineiro e por os matos. Era a colher a resina das tigelitas para umas latas e levar aos barris. Era uma vida muito negra. Era pouco que eles ganhavam. A reforma até foi pequena, uma reforma de 150 ou 250 escudos naquela altura. Não era mesmo nada. Mas havia muita gente a trabalhar na resina. Agora é que não. Veio o fogo, queimou o pinhal e ele já não vai. Também já era um homem com 82 anos, já não era homem de ir para o pinhal.

Já fizemos as bodas de ouro. Recebi as alianças dos 50 anos no dia 31 de Agosto! Fui almoçar por a Ponte Nova.