“A vida da resina era ruim como um corno”

Andei por aí na resina. A vida da resina também era ruim como um corno. Andava aqui nestas matas todas. Isto, no meu tempo, era tudo pinhal. Agora é que não, porque veio o lume, queimou tudo. Ainda aí há um sítio ali para cima onde estão bocados deles, mas ainda não dão. Aqui, em Oliveira, ainda resinam. Passo lá e ainda vi em pinheiros. Disse:

- Olha, já andei nesta porcaria!

Diz a minha filha assim:

- “Ó, pai, era um trabalho bom.”

Era, era.

Um resineiro faz muita coisa. “Desencarrasca” o pinheiro, com uma “desencarrascadeira”. Ainda lá tenho uma. É uma faca torta. E tínhamos uma machada, também. Uma faca de um lado e uma machada do outro. A machada é para espetar o cavalete. A faca é para cortar a madeira para vir a resina. Tinha uma travessa de cortagem e tínhamos de ter aquela medida. Se passássemos, éramos multados. A gente tinha de andar sempre a pau. Primeiro, tira-se-lhe a côdea com aquela - chamamos nós - “desencarrascadeira”. Tínhamos um ferro grande para meter a bica, para cair a resina para o púcaro. Púnhamos-lhe um pau espetado no pinheiro para o segurar, senão ia toda pelo pinheiro abaixo. O tempo que demorava a encher era conforme. O púcaro é de quilo. No tempo mais quente, dá mais resina. No tempo mais frio, dá menos, porque o pinheiro não puxa. De 15 em 15 dias dávamos uma cura. A cura era pôr ácido no pinheiro, para correr, para puxar a resina. No Inverno, o tempo arrefece e só com o líquido que lhe a gente deitava é que botava alguma coisa. Era preciso a gente tirar bem a madeira, cortar bem e “provisar” bem, senão não saía nada. Quando é no Verão, a gente cortava, começava logo a resina a correr. Estava o pinheiro quente. A gente “provisava” e começava logo a correr para o púcaro. Íamos da Quintela adiante a minha casa e quando voltava, a resina já estava a cair. Curar era perigoso. Se caísse ácido na roupa, queimava logo. Quando a gente vinha com aquelas latas às costas, se caía, entornava tudo e a gente tinha de tornar a encher. O trabalho da gente...

Daí, a gente ia recolher a resina para umas latas grandes. Ainda lá tenho uma, também. Tínhamos uma coisa de ferro com um pau para a tirarmos de dentro do púcaro para dentro da lata. Às vezes, a gente chegava a casa todo “enresinado”. Para a tirarmos da roupa, como é que era? Era com petróleo. Íamos lavar a roupa com petróleo para sair aquela resina toda, senão, não saía. Depois, vendia a uns proprietários. Havia aqui um na Vide e havia outro em Côja. Iam levar a resina nuns bidões grandes. Ainda lá tenho um desses também, em folha. Primeiro, era em madeira, como os pipos de vinho. Alanquei com muitos do Piódão lá acima à escola no Malhadinho. Levámo-los às costas cá debaixo daquele ribeiro lá para cima. Em madeira e molhados, era um peso bruto. Púnhamos lá em cima para o carregador vir carregar os machos. Aquela resina ia para muitas coisas. Dava para óleos, dava para sabão, dava para tudo aquilo. Ia para destilações e era tudo destilado.

Nós ganhávamos ao dia. Quantos dias fizéssemos, quanto ganhávamos. Chegava-se ao fim do mês, pagavam. Depois, por um quilo de resina. Nós aqui, era um preço, lá, onde era fabricado, eles já iam vender por outro. Éramos quem a tirava e éramos quem ganhava menos. Os outros é que ganhavam o ordenado maior e não levavam trabalho nenhum.

Era a vida da gente. Eu bem digo: a vida da gente bem contada era um romance, era!