“Os meus netos fazem-me viver”

Há uma coisa que eu não entendia. Às vezes ouvia dizer:

- “Ah, as penas vivas custam mais que as mortas.”

Eu dizia assim:

- Oh meu Deus, mas a última coisa é morrer.

A gente, quando morre, acaba tudo. Não entendia, mas é verdade. Perdi o meu pai e já perdi várias pessoas da família. O meu irmão doeu-me muito, muito. A minha avó. Já perdi tios, enfim... Mas esta situação da minha mãe nunca tinha vivido. Quando ela estava cá em casa, eu passava bem os meus dias, porque estava ocupada. Tinha sempre que fazer. Gosto de costurar, gosto dos meus crochés, gosto das minhas coisas. Ela estava aqui sentadinha no sofá a ver a televisão e eu estava no meu quarto. Tenho lá a máquina de costura, tenho lá as minhas coisas. Ela chamava-me:

- “Ó Maria! Estás cá?”

- Estou, minha mãe, já cá vou.

Os meus netinhos têm estado cá comigo e isso é que me ajuda a viver. Senão, eu já estava deitadita. Não me levantava. Não tinha fome, não comia. Não tinha trabalho, não trabalhava. Estava parada. Eles assim fazem-me viver, porque tenho que me mexer. Não posso estar à espera que venham da escolinha para a minha nora fazer tudo. Tenho o tempo ocupado e é o que me vale. Seria muito pior, se não fossem eles.