“Não me lembro de ir ao médico em criança”

Quando estávamos doentes, ficávamos doentes. O médico já me perguntou algumas vezes se eu em criança tive a febre reumática. Eu disse:

- Ó doutor, olhe... Eu, sinceramente... não sei.

E não sei.

- “Então, mas a sua mãe não lhe disse?”

- Ó doutor, então a minha mãe não me levava ao médico. Lá na nossa terra não havia. Era muito difícil ir ao médico.

Se calhar, se tive, lá se curou e a minha mãe não soube nem eu. Não me lembro de ir ao médico em criança. Só me lembro, quando andava na escola, que, às vezes, vinha. Como agora se faz o rastreio de certas coisas, na altura também vinham. Não sei já o que me faziam. Havia lá dois meninos, que eram irmãos. Um menino e uma menina. Tinham um problema na cabeça - não sei explicar o que era - em que o cabelinho caía. Vieram lá ao Piódão fazer um rastreio e detectaram quem tinha isso. Depois faziam um tratamento. Também não sei o que era. Só me lembro de eles andarem de touca lá na escola, porque o cabelinho caiu. Depois, nasceu outra vez.

Quando eu era miúda, havia um senhor no Piódão que chamavam o barbeiro. Como nós agora chamamos um enfermeiro, cá chamavam o barbeiro:

- “Olha, vamos ao barbeiro.”

Eu, assim:

- Ai, valha-me Deus!

Não entendia, na altura. Agora, lembro-me e digo:

- Ai, meu Deus! Então como é que chamavam dantes o enfermeiro de barbeiro?

Mas ele lá andava.

Também não havia remédios da farmácia. Eram as mezinhas. Até curavam certas doenças. Eu acho que era mais a fé das pessoas. A minha mãe gostava de chás. Dantes, andava sempre com a cafeteirinha. Fazia para a dor de cabeça, para o estômago, para os intestinos, para quando estava constipada... Não se tomavam medicamentos. Era chá. Fazia de várias coisas: de limão, de tudo. Juntava várias ervas e fazia. Até chá de malvas! Eu dizia:

- Ai, mãe! Isso não pode ser bom.

- “Ó filha, olha que é bom. Quando tu estiveres assim doente, toma.”

- Ai, mãe! Não gosto disso.

E nem sequer tinha provado. Ela usava muito as malvas. Se nós tivermos uma ferida, formos ferver as malvas e lavar essa dita ferida com a água, aquilo cura. Então, se curava ferida de fora, também curava as de dentro. Mas eu não gostava que ela pusesse aquilo nos chás. Há um que ainda faço e gosto, que é do hipericão. É para o estômago. Bebe-se bem sem açúcar. Doutros, não gosto muito. Mas ela gostava. Tinha uma fé nos chás! Às vezes, eu dizia assim:

- Ai, mãe, estou tão mal disposta...

E estava. Dantes, qualquer coisa que comia me fazia mal. Agora a modos que não. Já me habituei, sei lá. Por qualquer coisa me doía:

- “Olha, faz um chazinho.”

- Ai mãe! Não gosto!

- “Anda lá que eu vou fazer.”

Eu bebia para ela não ficar triste. Eram estes os remédios que havia cá.