“Fiz uma noiva bonita”

O casamento foi lá em Lisboa. Casámos em 1964. Lembro-me desse dia. Foi um casamento bonito. Casámos na igreja. Eu ia com vestido branco. Naquele tempo, era assim. Ia bonita. Sei que gostava de me ver. Lá se os outros gostavam ou não, não sei. Eu gostava. Acho que fiz uma noiva bonita. O meu marido também ia bem. Era jovem e elegante. Agora, já passou. Tínhamos convidados e tivemos copo-d'água. Já tive fotografias a cores, porque lá no museu havia um senhor que era fotógrafo. Não foi o fotógrafo do casamento. As fotografias do casamento são pretas e brancas. Mas o senhor tirou-me fotografias a cores, assim pequenitas, tipo postais. Uma grande colecção de fotografias. Aquilo era um luxo, na altura. Na lua-de-mel, fomos para Viana do Castelo.

Ficámos a viver em Lisboa. Mas não fomos para uma casa toda mobilada só os dois, como hoje. Na altura que casei, não era como agora. Agora a gente, quando se casa, tem tudo e mais alguma coisa. Hoje, as pessoas casam e já têm casa. No meu tempo não era assim. Fomos viver num quarto, com outras pessoas. Estávamos limitados àquilo. Tínhamos serviço à cozinha, mas juntos. Era muito mau. Se a gente pensasse bem, ai, valha-me Deus! Depois, com o tempo, foi-se vivendo e foi-se arranjando.

Se o nosso casamento durou os anos que já durou, é porque a gente se entende. Senão não durava os anos que nós já temos. O meu filho nasceu só cinco anos depois, porque eu era muito jovem. Ele achou que primeiro tínhamos que viver a vida e depois vinha o rapaz. E foi assim, só ao fim de cinco anos.

Vínhamos aqui, pelo menos, uma vez ou duas por ano. Eram as férias. Não tínhamos dinheiro para ir para outro lado. Aliás, não era pelo dinheiro. A gente tinha sempre saudades de vir à terra, ver as pessoas, ver a família. Era mesmo uma necessidade que a gente tinha. Não foi por acaso que nós viemos parar aqui agora. Podíamos ter feito casa noutro lado, mas o meu marido tinha tanto amor a isto... É por isso que estamos aqui. Ele gosta disto. Eu gosto, mas não faz muito o meu jeito. Estou aqui. Nós temos que estar onde somos mais precisos. Estou, porque ele gosta de viver aqui. Até estamos na casa dos avós dele. A cidade não lhe dizia nada. Quando deixou de trabalhar, sentava-se-me no sofá a olhar para a televisão. Eu ia à rua e dizia-lhe assim:

- Ó marido, queres alguma coisa?

- “Olha, traz-me o jornal. E não te demores.”

- Ó marido, eu não prometo. Só venho quando calhar!

Eu gostava de ir à rua, encontrar as minhas amigas, beber o meu cafezinho, dar os meus 5 tostões de conversa... Gostava de me comunicar com as pessoas. Ele já tinha outra maneira de ser. Ficava ali a manhã toda, ou na cama, a olhar para a televisão. E queria o jornal.

- Ó marido, eu trago-te o jornal.

Mas o jornal que ele me pedia era A Bola. Eu digo assim:

- Ó marido, temos tantos livros...

Tenho livros que nunca foram abertos. Eu era sócia do Círculo de Leitores. Comprava tudo e mais alguma coisa. Bons tempos. Então, dizia:

- Ó marido, olha, lê os livros. Ao menos sempre te instruis alguma coisa. Agora, A Bola, o jornal, não te ensina nada!

Mas era o que ele gostava de ler. Pronto, ficava-me ali a olhar para a televisão. Não era vida. Um homem ainda jovem, estar ali... Ficava “patareco”!

Depois o meu paizinho faleceu, a minha mãezinha ficou sozinha, começámos a vir mais vezes, com muita frequência mesmo. Quando ele se reformou, viemos logo de armas e bagagens para cá, porque ele gostava de estar aqui. Aqui vai à horta, vai aos Chãs d'Égua, vai ao Piódão, vai à Vide, vai onde lhe parece. Ocupa o tempo. Eu estou mais em casa. Na altura, ainda não tínhamos casa. Estávamos a viver com a minha mãe. Ainda estivemos lá uns tempinhos. Depois, quando se fez a nossa casa, viemos para aqui. Já não vou à minha casa a Lisboa há uns dois ou perto de três anos.