António Marques e Maria dos Anjos

O meu pai chamava-se António Marques. A minha mãe era Maria dos Anjos. Eu pertenço a três famílias: aos Marques, aos Anjos e aos Fontinhas, da parte do meu marido. O meu pai era dos Chãs d'Égua e a minha mãe era do Torno. Acho que se conheceram num baile. Isto cá é um meio pequeno. Aos domingos, juntavam-se os rapazes e as raparigas. Foi aí que se conheceram. O meu pai casou com a minha mãe e o irmão dele com a irmã dela. Os dois irmãos casaram com duas irmãs. Eu e os meus primos somos primos-irmãos e tratamo-nos assim. Eles, para mim, são irmãos e eu, para eles, também. Agora, não tenho irmãos, mas tive um. Já faleceu há muitos anos, ainda muito jovem. A mãe deles, a minha tia, já faleceu. O meu paizinho, também. O pai deles é vivo e a minha mãe ainda é viva também.

O ambiente lá em casa era muito bom. Tanto do meu pai, como da minha mãe, como eu com o meu irmão e o meu irmão comigo. Eu tenho muitas saudades dele. Apercebia-se do meu pensamento e eu apercebia-me do dele. Sem falarmos!

Morreu no 25 de Abril. Já vai há alguns aninhos. Recordo como se ele morresse há meia dúzia de meses. Há irmãos e irmãos. Nós tínhamos uma ligação... Não tenho palavras para poder explicar o que a gente sentia um pelo outro.

Quando eu comecei a namorar o meu marido, o meu irmão não gostava dele. Eu pensava para mim e para Deus:

- Ai! Eu vou despachar o homem! Não o quero cá para marido! Então, se ele não se dá com o meu irmão, também não se dá comigo!

Mas depois eles tinham uma relação tão boa, tão boa que, ao fim, eram como irmãos.

Quando me casei, ele ia à minha casa. Sentava-se em cima da mesa da cozinha - usavam-se umas mesinhas encostadas -, abria o frigorífico e punha-se a falar para mim:

- “Ó manita, olha que eu quero comer.”

Eu dizia-lhe assim:

- Mas o que é que tu queres? Olha, vê!

Olhava, mas não comia. Nunca queria comer nada. Era só para ver se eu tinha.

- Ó manito, mas tu não comes porquê?

- “E tu achavas que vinha aqui para comer? Não tenho fome! Vinha ver se te faltava alguma coisa.”

E eu dizia-lhe que não.

Depois, também casou. Tinha uma menina, que ainda tem. Na altura que ele morreu, tinha só 14 meses. Criou-se. A minha cunhada fazia o que podia, tudo e mais alguma coisa, pela menina. Hoje é uma senhora. Já tem dois filhos. A menina, 11 anos e o menino, 7. Tudo se passa. Deus não quis... Pronto, foi assim. Ele morreu muito cedo. Não é fácil. Se os desgostos de vida matassem, eu já tinha morrido. E ainda cá estou! É assim. É a vida, é verdade...