“Deus cai aqui”

A Igreja, a religião, sempre teve um poder muito grande aqui. Penso que em toda a Beira Interior. As autoridades aqui eram o barbeiro, o professor, o regedor e... o padre. O padre aqui sempre teve uma autoridade muito grande. Sempre foi uma pessoa muito respeitada. As pessoas são de uma religiosidade, que é uma coisa fora do comum. Só encontrei assim pessoas com esta religiosidade nas comunidades piscatórias. Como costumam dizer, entre o barco e o céu, há Deus. A eles é a única coisa que lhes vale. Aqui, é quase a mesma coisa. Temos a terra, tudo verde, e temos o céu. Por conseguinte, Deus cai aqui. Penso que será um pouco esta mística que eles aqui têm.

Quando eu era criança, a missa tinha muita afluência. Estava sempre cheia. Esta capela já teve dois ou três aumentos. Para as mordomias e o tesoureiro da capela, antigamente, havia guerras. Toda a gente queria ser. Hoje, a gente para arranjar um mordomo tem que apertar bem. Tem que os convencer bem. Mas lá se vão arranjando.

A procissão e os andores vão até à Malhada, a uma capela, com os andores. Depois, vêm para cá, entram na povoação. Dão uma volta à povoação e vêm outra vez para aqui. Eu até fui um dos grandes “renascedores” da visita pascal, que estava mais ou menos em desuso. Eu lá agarrei novamente nisso. Às vezes, são entusiasmos de momento, mas já há 12 ou 14 anos que faço a visita pascal. A gente tem a Cruz, tem a água benta e tem a oração. É na altura em que se vai recolher o folar, que é aquilo que cada uma das famílias dá para sustento do padre. Antigamente, era dada em géneros. Hoje, não, é dado um envelope. Connosco, vai a parte religiosa. Vai a caldeirinha, vai a Cruz, vão as lanternas e vai o leitor, que é o presidente da cerimónia e faz a leitura. A família acompanha. Depois, o tesoureiro tira o envelope, mas põe um postal alusivo, um santinho alusivo à cerimónia. Não é só tirar. É dar também qualquer coisa. Para tentar melhorar isto. Toda a gente aceita. Na altura da Páscoa, nessa cerimónia, chegam a estar abertas mais de 60 casas. Deve ser aqui na freguesia aquela com mais casas abertas. Mais do que o próprio Piódão.

Os meus familiares nunca me impuseram rigorosamente nada. Não sou daquela religiosidade extrema, mas respeito, acredito e vou à missa quando posso. Sou o tesoureiro aqui da capela já há 12 anos. Ando, também, a ver se arranjo alguém que me substitua. Fui eu que me empenhei no aumento da sacristia e fiz peditórios. Sei lá o que fiz para aí, para fazermos esse edifício da nova Sacristia. Ainda agora vim por Fátima trazer uma quantidade de coisas aqui para a capela. Não participo mais porque não tenho tempo. Acho que, dentro disto tudo, a família é muito importante. Uma pessoa não consegue ter tempo nem capacidade para se dedicar a muita coisa em simultâneo, tem que fazer um pouco de cada.