“Carregar baterias”

Gostava e ainda gosto de vir aqui. Gosto de estar aqui. Mesmo estando cá pouca gente, gosto disto. Mas tive, pela minha vida profissional, necessidade de fazer carreira, de estudar e de trabalhar e estive 12 anos desligado aqui da terra.

Eu trabalhei dois anos na Siderurgia. Foram dois anos difíceis. Coisas realmente complicadas. A primeira vez que se conseguiu que uma greve não tivesse adesão foi na minha Administração. Não digo que foi boicotada, porque de um lado estava quem queria fazer greve e do outro lado quem não queria. Mas aquilo era realmente difícil. Eu era a primeira pessoa a entrar lá. Mesmo antes do turno da manhã entrar, já eu lá estava. E era o último a sair: 11 horas, meia-noite, uma da manhã. Foram dois anos terríveis. Mas, a sexta-feira era o dia em que eu era o primeiro a sair. Por volta das quatro e meia, mais coisa menos coisa. Vinha logo o director:

- “Então, senhor engenheiro? Vai-se já embora? Onde é que vai?”

- Eh! Não diga nada! Eu vou para o Céu!

- “Para o Céu?”

- Sim, sim!

- “Então, mas como é que é isso do Céu?”

- Eu explico-lhe: é uma coisa assim verde, verde, verde. De repente, acaba o verde e começa o azul. É o Céu. E eu estou aí nesse sítio.

Era aqui.

Isto permite a quem tem uma actividade que exija muito, aquilo que vulgarmente chamam “carregar baterias”. Aqui, as coisas giram pouco. A gente em Lisboa tem que andar a correr: é para o eléctrico, é para o carro, é para o padeiro... Sempre, sempre a correr. Aqui, não. Não vale a pena preocupar-se com isso, porque não há nada disso. Mas isto é de tal maneira assim, que eu trago dois, três jornais, ponho-os em cima da mesa, vou-me embora e não abro um jornal. Enquanto lá, todos os dias uma pessoa devora os noticiários, aqui não devora rigorosamente nada. Isto tem um peso muito grande sobre o bem-estar, sobre o sossego interior da pessoa. O que me atrai aqui, é isso, é o sossego. Sobretudo, é o sossego. O senhor padre António costuma falar comigo. Conta assim muitas histórias. Para um homem aqui da serra, que nasceu aqui, viveu aqui e trabalha aqui, é um homem com um saber muito grande. E dizia-me ele:

- “Ó, senhor engenheiro! Você vem aqui para a serra, há-de viver muito mais do que essa gente toda. Porque você aqui tem sossego.”

E é verdade. Uma pessoa aqui sente o peso do descanso. As coisas aqui andam ao ritmo da Natureza. O sol ainda não nasceu, já a gente está a querer acordar. O sol está-se a pôr, a gente quer ir para a cama. Só é pena estar tão longe de Lisboa. Mas ainda bem que é assim. Mantém-se esta pureza do ambiente. É o estar com a Natureza. É o estar em paz connosco. Acabaram-se os problemas? Não. Com certeza. Ainda tenho os mesmos problemas. Agora, uma coisa garanto: eles estão lá em Lisboa e eu estou aqui!