“Que os filhos saibam mais”

Penso que, outras terras do interior não puxam para que os filhos aprendam. Esta gente aqui não. É exactamente o contrário. A gente aqui não sabe, mas quer que os filhos saibam mais do que eles, o que não é um comportamento muito vulgarizado. Não era normal, nessa altura, pôr os filhos a estudar e o meu pai sempre fez isso. Fez um sacrifício muito grande para que os filhos estudassem. Pelo menos, tirassem um curso profissional. O curso industrial e o curso comercial eram quase um mestrado. Era-se quase um doutor. Ele era uma pessoa que, não obstante ter nascido aqui num meio muito reduzido, já tinha uns horizontes, um querer e um saber daquilo que queria dar como enxada aos filhos. Sem dúvida.

A minha mãe queria era que nós trabalhássemos, para ganhar para casa. Ela, coitada, tinha as finanças e lá sabia onde é que lhe doía. Naquela altura, trabalhava tudo ali para o molho. Depois do molho é que recebiam algum. Não era como agora. Agora, empregam-se, recebem o ordenado todo e os pais ainda têm que dar umpocket money, uns dinheirozitos por fora. A minha mãe era muito prática, mas o meu pai não deixou nenhum filho - e, às vezes, eles queriam - com menos da escola industrial e comercial, na época. Todos eles tiveram que tirar. Eu tirei o curso industrial. O meu pai obrigou-me a tirar. Depois, disse:

- “Não! Isto acabou! É isto que eu dou aos filhos!”

O meu irmão foi para a Escola Náutica. Tirou o curso de oficial de máquinas da marinha mercante. Eu também estive na Escola Náutica. Depois, tirei o curso do Instituto Industrial, um curso de Engenharia e um de Pedagógicas. Disse:

- Agora, basta! Agora, quero é viver para a família. Já não estudo mais.

Mas até perto dos 50 anos, foi sempre a trabalhar e a estudar. Tirei o curso de Filosofia e de Mineralogia e, não satisfeito com isto, tirei mais tarde em 1973-1974 o curso do Técnico.

Isto não aparece assim por acaso. Há uma ânsia grande, que vem de raiz. Uma ânsia grande de aprender, de ler e de fazer. É qualquer coisa de congénito. Eu trabalhei para chegar onde cheguei, mas nas pessoas daqui, vê-se realmente essa ânsia, esse querer. Em Lisboa há os tais bairros problemáticos. As pessoas não têm incentivo para trabalhar, nem para estudar. Aqui, não. Aqui há realmente um procurar. Em nascendo neste buraco, querem que as pessoas estudem, trabalhem, sejam alguém. Não sei se serão mesmo alguém, mas ao menos querem dar outro horizonte que elas não tiveram.