“Sempre com força todo dia”

Eu depois, saindo da escola, é que vim trabalhar. Comecei a cavar terra aí com o meu pai. Já a começar a ganhar 100 escudos por dia. Quando via 100 escudos na mão, até ficava todo contente! Eh pá! Isso já era uma fortuna! Ia para os meus cunhados, lá para baixo, cavar uns chãos grandes que tem ao fundo. Começava em Fevereiro, era até ao dia 10 de Junho, que é os últimos dias. Aquilo era uma alegria! E não me doía o corpo! Ainda digo hoje: tomara ter metade da saúde que eu tinha naquela altura. O meu pai não era preciso chamar. Quando era essas cinco e meia, estava sempre pronto a levantar-me. Ala embora! Pegava na enxada todos os dias. De manhã, levantávamos, chegávamos à casa dos clientes para onde íamos cavar, era logo bacalhau, queijo rijo e, outra vez, queijo fresco. Às dez horas tornávamos a comer: era feijão guisado, era batatas, era tudo. Ao meio-dia tornávamos a comer. Aí a essas duas, três horas da tarde, tornávamos a comer. A gente comia pratos enormes de comer e andava sempre elegante! E então sempre com força todo dia. Só folgámos aos domingos. E, aos domingos, ainda íamos daqui a pé para o Chãs d'Égua, para a bebedeira. Era o nosso trajecto. Mas andámos ali todo o dia e não doía nada do corpo. Agora uma pessoa esforça-se mais um bocadito, começa logo a queixar-se:

- Ui, ui, ui...

Ainda uma noite destas, andei lá a puxar umas pedras. De manhã, quando me levantei, aqui os ombros e as costas parece que estava tudo partido. E é que doía mesmo. Tivesse cá aquela força que tinha antigamente... Oh! Agora a gente anda tudo podre. Não sei se é das comidas, se é do que é.