“Admiravam-se de eu subir aqueles monstros”

Naquele tempo, havia sempre moinhos para compor. Oh, Jesus! Tanto moinho lá arranjava. Foi no tempo do meu passado e, então, cultivavam muitas terras, muitos bocados grandes de milho. E aquilo era sempre para ali, toda a noite, todo o dia, os moinhos a moer. Como eu digo, andava sempre no Verão. Em vindo o tempo da Primavera, do Verão, aí vinha aguçar os picos a casa e pegava na caixinha da ferramenta. Quando era de madeira, levava ferramenta de carpinteiro. E quando era de picos ou assim também levava. Levava tudo. Tenho aí muito pico e tudo para ir romper as pedras picadas. Mas havia lá oficinas também. Eu pedia e lá me deixavam aguçar. Lá os aguçava e lá andava.

Os moinhos, depois dum tempo, lá de dois em dois anos, tinham que levar sempre uma reparação. Quando eu os deixava assim bons, bonzinhos, andavam dois anos e mais assim sem ver um carpinteiro. Mas, quando eles às vezes falhavam, lá tinha que ir o Artur Castanheira dar mais umas voltas.

O moinho é tocado a água e antigamente havia muita água. Mas, em terras que eu andei, até se admiravam de tão pouchocinha água e como eu os punha a andar com aquela força. É com umas manilhas de rolete até à caule e tem umas torneiras pequeninas. Põe-se um tubo para cima com as mãos e, ao fim, põe-se uma torneira. Quando está cheio de água, ai rapaz, aquilo manda uma força de água que sobe. É ver andar as pedras, mas vai muita força. As pedras até voam. Eu punha-os de uma maneira que aquilo ficava muito levezinho. Com qualquer coisinha de água andava logo. Até voavam as pedras uma na outra!

Agora, há mais de quatro anos ou mais, já não vou como era. Apanhei esta doença comigo e agora assim não. Mas os moinhos de casa ainda arranjo. E dos de electricidade, se me mandassem ir sentado numa cadeira, ainda os arranjo também. Mas, hoje, os da água já não arranjava. Esses da água tinham as pedras muito grandes. Havia pedras de 1 metro e tal de largura. E havia uma com 20 de altura. Tinha que me fincar bem. Até se admiravam como é que eu subia aquelas pedras tão grandes. Era cada monstro de pedras! Ai Nossa Senhora! Isso admiravam-se:

- “Como é que o senhor Artur desce e sobe a pedra para cima?”

Admiravam-se de eu subir assim aqueles monstros. Eu fincava-lhe um pau por baixo, punha acima do ombro, aí vai ela para cima. Ao fim, era um roletezinho que rolava, ia a pedra “pia cima” para onde eu queria. Não era preciso tocar. Tocava só para aquilo andar. Se uma pessoa pedir, ainda sou capaz de ensinar. Ainda sei como é tirar as medidas e tudo. Tenho um sobrinho meu que já me pediu mais que uma vez:

- “Ó tio, tenho que lá ir um dia, levar um livro e você tem que me fazer o desenho que me ensine.”

Enquanto eu sou vivo, ainda ensino. Ao fim, morrendo, fica cá só as minhas habilidades. Antigamente em qualquer lado havia milho. Agora vieram os padeiros, deu em vir pão já moído, cozido e tudo, já não há milho como era antigamente. Agora não há moinhos para compor. Aquilo parou. Agora perde tudo. Veio aí uma chuva tão grande, vinha tanta água, já caiu tudo para o chão. Pronto, abandonaram-nos.