Terra de vinho e aguardente

Tínhamos aí muito vinho. Nas vindimas era a gente a cortar cachos para uns cabazes e, estando cheios, levávamos numas cestas. Agora não, já é tudo à base nos sacos. Numas sacas grandes leva-se mais e melhor que nas cestas. Nas cestas era as mulheres à cabeça e os homens às costas. Botávamos para uma dorna, uma pia nas casas e, ao fim de tudo, esmagávamos as uvas. Eram esmagadas a pé. Visse-me eu agora lá com a minha perna, como agora tenho, credo! Mas naquela altura havia dias, à noite, de ir para lá esmagar para aquelas pessoas. O vinho chegava até ao cimo das pernas “pia fora”! Eu levava um calçãozito e enfiado ali, “zumba” “pia baixo” a chafurdar, a chafurdar. Tudo enterrado no vinho! Nada metia medo! Ai, credo, quem me dera assim ter força nas pernas como tinha naquele tempo. Para andar em volta é só uma pessoa precisa. Dois não cabiam nas dornas. Mas agora não, já é tudo por esmagadores. A gente vem com ele das leiras, bota logo para dentro do esmagador, vai logo lá para o depósito.

Também fazíamos aguardente. Até agora fazemos. Faz-se num alambique. Tenho ali em baixo um. Ó rapaz, faço lá aguardente que é pólvora! Vou lá fazê-la mais o meu filho. Às vezes, não tem vagar, mas eu vou lá. Sento-me lá num banco e estou ao pé da caldeira a regular a fogueira. Meto lenha grossa de torgas, assim dessas de mato verde, de moiteiras, ó rapaz, aquilo faz uma fogueira certinha, certinha. Aquilo está ali sempre a botar certo, certo. A quase que se escoa sem mexer na fogueira. Ferve lá dentro numa caldeira e, ao fim, vai a água. O alambique tem a cabeça muito alta e a água é ali destilada. Aquilo ferve dentro da caldeira e, ao fim, é que sai a aguardente para fora. Sai ali aguardente mais clarinha que a água da fonte. Mas a de mel, essa é que dá mais aguardente. É também feita como a de vinho, mas dá muito mais. É o dobro. O que é dá mesmo o saborzinho do mel. Docinha que eu sei lá! Leva só o mel. Aquilo é fermentado num balde grande, pouco cheio. Ao fim, dando um cheirinho que está fermentado, é que se vai para o alambique. Ainda gosto de ir lá para o pé do alambique fazer a de mel. Tenho umas mãozinhas... Não é por estar a gabar o trabalho, mas o meu filho disse:

- “Ó pai, você tem que lá ir fazer mais este ano!”

Quer que eu lá vá fazer a de mel e a de medronho. Essa dá mais trabalho. Precisamos mexer com um pau, é de ter o pau escaldado. Escaldando o pau é que está bom para se pôr a cabeça. Eu tinha abelhas e o meu filho também tem umas colmeias. Eu gosto de tratar delas. Agora é que não posso andar, mas gostava muito das abelhas. Mas este ano ele já não tem mel, coitadinho. As colmeias não prestaram para nada.

- “Ó pai, levo trabalho e não temos mel nenhum, nem para fazer aguardente.” - disse ele.

Só ontem é que o meu filho foi a cortar uns cachitos. Tanto cacho que ali tínhamos... Quando eu podia, trazia aí sempre muito vinho. Trazia as videiras tudo bem arranjadinho. Não havia cá ninguém que tivesse melhores videiras que as minhas.

Mas este ano não há quase nada. São os bichos, deram cabo deles. Fui lá ver mais a minha mulher e ela até chorou. Vê-los com muito e depois com tudo limpinho. O texugo rói os cachos, corta tudo para o chão. Aquilo é bicho danado! Louvado seja Deus. Tanto trabalho a gente leva a tratar das videiras, tanto vinho que a gente aí tínhamos, e ver assim tudo limpinho. Gostava de fazer aguardentes, gostava de tudo. Agora, pronto, já não tenho força como era antigamente. Já falhei. O coitadinho do meu filho não se aguenta com tanto trabalho. Anda nas obras e ao fim, vindo à noite, é muito trabalho, chora e diz:

- “Ó pai, já faz falta você.”

Então, o que a gente há-de fazer? É assim a vida.