“Os médicos não curam isto”

Antigamente não havia médicos, não havia nada. Coitados. Era às vezes com flores de sabugueiro e coisas para a constipação. Mais tarde, compravam comprimidos. Agora já há médicos. Eu tomo três comprimidos logo de manhã e depois à noite tomo outro. Até à idade de 40 e tal anos nunca tomei um comprimido. Agora é uma miséria.

Para as dores de dentes diziam que o sal era bom. Assim rebentei com os meus dentes todos, a deitar sal. Hoje não tenho dentes nenhuns. Assim rebentei com eles.

Um pé “estrutagado”, cosem-nos. Agora já não há pessoas dessas, que sabiam coser. Era um púcaro com água, punham-na a ferver. Depois punham uma agulha com um pente e com umas tesouras. Punham aquilo num prato a coser e diziam assim:

- “O que é que eu coso?”

- “Carne quebrada e nervo torto.”

- “Isso mesmo é que eu coso.”

- “Aqui te vou São João, São Julião.”

Diziam então as palavras e passava. Era só isto assim que faziam. Os médicos não curam o pé “estrutagado”.

Agora vão ter os filhos à maternidade. Cá não havia médico. Não havia como há agora. Os meus tive-os cá todos em casa e não havia nada disso. Foi só a gente de cá. Mais do resto não tive nada. Não havia parteiras, não havia nada. Sabia-se como é que haviam de fazer. Eu não tive doutor nenhum, nem nada. Nem eu nem as demais. A gente matava uma galinha e comia caldos de galinha esses dias. E comíamos pão. Mandávamos vir pão de trigo e comia-se então... Depois, estavam a descansar. Mais do resto não havia nada. Mesmo nós aqui agora, só temos médico de mês a mês e quando não é ainda mais para tarde. A gente tem que se deslocar para Oliveira ou para Arganil.

O barbeiro foi já do meu tempo. Naquele tempo ainda não precisava de barbeiro. Ainda tinha saúde, graças a Deus. Esse barbeiro ainda era bom. Curava muita gente com ervas. Tinha um livro. Lia o livro. Dizia os males que tinham e ele ainda curava muita gente. Curava-se muita gente. E duravam mais que os de agora.

Quando uma pessoa morria davam parte ao Registo. Faziam o registo dessa pessoa. Ficavam em casa até às 24 horas e depois é que o traziam. No fim de fazerem o registo, ao fim de 24 horas, enterravam-no. Tinham ainda que vir com eles numa padiola. Eram uns paus. Iam os caixões numa padiola, por modo de irem para o Piódão. Quem o levava eram os da terra. Algum que podia. No Piódão é que era o cemitério da freguesia. Era lá que faziam o registo e tudo. Faziam do nascimento, de óbitos e de casamentos. Iam para lá.