“Quem o podia beber, bebia-o”

Comia-se o que a terra dava. Comia-se broa, batatas, feijão e hortaliça. Era aquilo que a terra dava. Tinha couves, tinha alface, tinha cebolas, semeava um bocado de tudo. Quando era pequena não tinha castanhas. Aqui houve, agora já não há. Arderam os castanheiros.

Faz-se aguardente do cardaço dos medronhos. Dos medronhos e do vinho. Os medronhos, também no meu tempo haviam. E até gostava bem de os apanhar, mas agora não os há. Gostava de os depenicar. Lá havia distracção. Para fazer aguardente, a gente plantava-os numa dorna, cozia-se e depois de estar mais cozido é que se fazia a aguardente. Depois vendia-se. Não a bebiam, vendia-se. Agora não há nada. Arderam.

O vinho, bebia-se. Quem o podia beber, bebia-o. As vindimas ainda há agora. Ainda hoje se faz, quem tem. Eu ainda vindimo. Corto os cachos e trago para casa. Agora, temos os esmagadores, mas no outro tempo esmagávamos com os pés. A esmagadora é uma coisa boa. Não era preciso muita gente. Às vezes, ajudavam-se uns aos outros. Era com os pés. Coitados, não havia alegria para cantarem como há agora. Não havia alegrias. Havia pouco vinho já no outro tempo. Cá há poucos cachos é só nos cômoros. E agora arderam. Está tudo queimado. Ardeu tudo.