Mulheres sacrificadas

A minha mulher era filha única. A mãe dela veio do Lugar do Tojo. Aos dois anos foram-na buscar para aqui. Coitada, foi uma desgraçada. Vinte anos viveu com os avós, não recebeu nada. Quando partiram as terras não deixaram nada, nada, nada. Foi só o que calhou à mãe. Nem pagaram ordenado, nem pagaram nada. Pronto, esteve aí e depois, claro, correu-lhe a vida mal. Abusaram dela, teve aquela filha e pronto. Não tinha marido, não tinha nada. Nem quem a defendesse, nem quem trabalhasse. Aqui toda a gente se dedicava à agricultura. Não havia outro emprego. Era de manhã à noite sempre a trabalhar na agricultura. E era sempre aquele ciclo. Tratar das cabras, tratar do porco, tratar das terras, sacharem, cavarem, por aí fora. As mulheres cá não cavavam, era só os homens.

Eu casei em 1946 e só em 1965 é que levei a minha família para Lisboa. De resto, ficaram sempre aqui. Porque no fundo as mulheres eram umas sacrificadas, coitadas. A gente vinha aqui só pelas festas. Durante aquele tempo que estávamos para fora mal chegava para nós comermos, para pagar a renda da casa e mandar uns tostões para eles sobreviverem.