“Tudo encaixado na cabeça”

Eu tinha 7 anos quando entrei para a escola. Primeiro era mais tarde que se entrava. E tinha 12 anos quando saí. Eu andei um ano na escola velha, em Malhada, onde agora há as figuras rupestres. Depois deitaram aquela escola velha abaixo e fizeram outra em baixo. É onde é hoje. Fui até a quarta classe. Fui fazer a Arganil. Só que o meu pai queria que eu fosse para Coimbra, porque a minha madrinha de Crisma era de Coimbra. Ela queria que eu lá fosse que depois eu ficava em casa dela. Mas o meu pai também não tinha possibilidades para pagar.

De todos os irmãos a única que sabe mais sou eu. A minha irmã, a mais velha, essa nunca foi à escola. A primeira vez que ela entrou na escola foi para matricular o filho, em Lisboa. A minha irmã do meio, a Maria, essa andou quatro anos na escola. Depois estavam a fazer a casa e ela ficou na quinta para ajudar. Ela dava serventia aos pedreiros.

Eu para aprender era uma máquina. Tive quatro professoras, e nenhuma me bateu. Ainda hoje os meus colegas que chegam ao pé de mim dizem-me sempre que queriam copiar por mim, mas a professora mudou-me de lugar para eles não copiarem. O meu pai dizia assim em casa quando vinha da Panasqueira:

- “Ó Alice então tu não és capaz de pegar num livro, não fazes os trabalhos que trazes para casa, não pegas num livro.”

Eu dizia assim:

- Ah não é preciso.

Ele dizia:

- “Deixa lá que depois hás-de passar. Hás-de passar daqui para a escola.”

Eu dizia assim:

- Ah depois logo se vê.

Não havia lá nenhum que aprendesse tão bem como eu. Se a professora explicasse as coisas lá na escola ficava logo encaixado de uma maneira. Eu sabia a História de ponta a ponta, tudo, tudo, tudo. Começava e acabava o que me procurassem. Tinha cá uma cabeça. Ainda hoje, números de telefone, tenho ali uma agenda, mas não é preciso. Tenho tudo encaixado cá na cabeça. Dizia às vezes a minha irmã, quando cá vem de Lisboa:

- “Quem me dera a mim ter assim uma cabeça, uma memória.”

A professora chegou a vir à quinta, quando eu andava na terceira classe. Mas depois tive sarampo. Quase todos tínhamos naquela altura. Eu estive um mês sem ir à escola. E a professora veio cá falar com o meu pai. Antes de ele ir para a Panasqueira, num domingo. Que era para me propor fazer a terceira e a quarta classe. Ela disse que eu andava na terceira, mas que sabia mais do que aqueles que estavam a fazer a quarta. Estava-me a ensinar as coisas da terceira classe, mas eu estava a fixar o que ela estava a ensinar aos da quarta. Ela muitas vezes procurava-me a mim o que ela estava a ensinar aos outros, eu muita vez, já não respondia para que ela não lhes batesse. Eu sabia, mas:

- Ah eu estava a fazer as minhas coisas.

Tínhamos aulas todos juntos. Primeira, segunda, terceira e quarta classe. Éramos umas 40 e tal, perto de 50 crianças. Éramos muitos. E era só uma professora para todos.