As companhias

Eu cheguei a vender uma dúzia de ovos a 6 escudos. Era a 5 tostões cada um.

Uma vez o meu pai mandou-me sozinha. A minha irmã, a mais velha, estava coxa. Naquele tempo pagávamos uma barreira. A barreira era 4 tostões. Quando chegávamos à Covilhã, lá ao fundo, tínhamos que comprar aquele bilhete. Mas eu levava só um cestito de ovos. A minha irmã achava que era muito eu ter que dar aquele dinheiro. Então, foram falar com umas raparigas mais de idade e a minha irmã foi pedir à outra rapariga, para me levarem os meus ovos juntos com os dela lá para a praça. Nessa altura, ainda vendíamos na praça. Eu era assim muito pequenita e lá, me levaram os ovos para cima. Levaram-me os ovos para cima e chegaram à praça. Não sei se fui eu que lhe pedisse os ovos para o meu cesto, mas o que sei dizer é que tinha os ovos no meu cesto. Havia praças assim muito ruins. Que não vinham as pessoas comprar. Estivéramos e não vendemos os ovos. Elas disseram-me assim:

- “Olha, agora ficas aqui, porque agora ficas cá sozinha, vendes bem. E nós vamos dar a volta por as portas, a vender nas ruas.”

Foram e eu fiquei lá. Mas a praça já tinha acabado. O pessoal já não vinha naquela altura. Ali estive e não vendi os ovos. Quando elas vieram:

- “Ai tu ainda não vendeste!?”

- Então, não veio cá ninguém...

Os meus ovos, ao sítio onde a minha irmã ia buscá-los, eram maiores. Elas iam buscar a um sítio, que era ali para os lados do Soito da Ruiva, onde os ovos eram mais pequenos. Eu estar ali com o cestito dos ovos fazia-lhe má venda aos delas. Então elas diziam assim:

- “Olha, já vem aí o guarda!”

Naquele tempo não se dizia polícia.

- “Vem aí o guarda, esconde os ovos!”

Eu lá ia como o pano e tapava os ovos. Depois lembrava-me: seria que realmente fosse verdade vir lá o guarda? Porque eu não tinha o papelito dos 4 tostões. Portanto, ele era capaz de me fazer pagar outra vez o bilhete. Seria verdade que fosse assim ou era elas que me mandavam tapar os ovos para não fazer má venda aos delas? O que sei dizer é que não os vendi. Elas também não venderam. Tinha acabado já, o pessoal já não vinha quando elas lá chegaram:

- “Então vai aí ver se os vendes.”

- Mas eu não sei por onde é que hei-de ir.

Porque eu só tinha ido uma vez com a minha irmã vender frangos pelas portas, mas nunca tinha ido dar a volta pelas portas.

- “Olha, vai por aí além...”

Nunca mais me esqueci daquilo. Eu lá abalei com o cestito, por ali além. Agora ali era onde era os correios mas está perto da praça nova agora. Eu estava ali e fui para os lados do Pelourinho. Aí havia uma loja onde nós comprávamos a mercearia. Era o Zé Romano. Eu sabia ir para ali. Mas depois desandei para o outro lado que era para os lados da Igreja de Santiago. Nesse tempo estava arruinada. Acho que foi no tempo das revoluções. Já eu tinha 19 anos, é que arranjaram essa igreja. Foi lá a Imagem Peregrina à Covilhã e, nessa altura, já tocaram os sinos daquela igreja. Depois, aonde se volta para essa igreja era assim uma esquina e estava lá um sapateiro. Eu disse-lhe se me queria comprar os ovos. Ali houve dedo de Deus, houve! Porque eu desamparadinha, pequenita, talvez uns 10, 11 anos, sem ninguém me ajudar, nem nada. Ora, um sapateiro até podia não mos comprar. Mas comprou-mos todos! Nisto, venho ter à praça. Aquilo não era uma praça, era aquele largo onde se vendia. Cheguei lá, já lá não estavam. Estavam lá umas senhoras ainda a vender e disseram:

- “Olhe, elas disseram que esperavam ao Pelourinho.”

Ora o Pelourinho era para trás. Eu imaginei: deve ser ao tinto, onde tingiam as roupas de preto quando alguém morria. Nós levávamos coisas para tingir. Naquele tempo, quando morria alguém, depois mandavam as roupas e nós mandávamos lá tingir. Às vezes davam-nos qualquer coisita e fazíamos o favor às pessoas. Chamávamos lá ao tinto que era onde nós íamos mandar tingir a roupa. E pensei: para o Pelourinho é ali para trás, deve ser ao tinto. E começo a andar para a frente. Foi a minha sorte. Cheguei-me mais para lá. Estavam lá debaixo de uma tenda à sombra. Então, mas se eu tenho voltado para trás, para onde é que eu ia? Tinha-me perdido, lá alguém me havia de encontrar. São coisas que a gente fica toda a vida a recordar. Às vezes, as falsidades e depois foi outra. Nunca estava habituada a dormir na ponta, era sempre no meio. Quando ia com a minha irmã, elas dormiam dos lados. Naquela noite fizeram-me ficar de ponta. Fiquei assim desgostosa com as companhias.