O freguês espanhol

Eu já não fui com galinhas. Eu, às vezes, digo assim:

- Eu era oveira, não era galinheira!

Nós só levávamos ovos, porque tínhamos um freguês muito bom. Era um senhor que era espanhol. Foi numa altura que não havia a lei de transportar os ovos. Então, não podíamos vender assim em qualquer lado. Naquele tempo era Guarda Nacional Republicana. Uma vez apanharam-nos. Eu com outra rapariga fomos no carro deles. Eles levaram-nos e fomos para esquadra mesmo com os ovos todos. Porque tínhamos que vender na praça, não era vender pelas portas. Mas depois elas disseram-lhe que nós tínhamos um freguês e que não podíamos faltar com ovos àquele freguês. Depois tiveram que ir saber lá àquele senhor se era verdade. Ele disse que sim. Chamava-se Francisco Muñoz Gomes, mas nós chamávamos-lhe só o senhor Paco. Ficámos sempre, sempre a vender a ele. Naquele tempo, quando foi isso, ainda ia a minha irmã. Depois ficámos sempre a vender a ele. Começou a simpatizar comigo e, às vezes, dizia assim:

- “Hoje as contas são feitas pela Ana.”

E eu dizia-lhe:

- Olhe, 200 dúzias a tanto é tanto!

E ele dizia:

- “Hás-de vir para o meu escritório.”

Sempre me tratou como uma pessoa de família. Tratava-me muito bem. Foi tanto que, mais tarde, uma vez que ele estava a conversar comigo, disse que tinham posto um hotel lá perto (que nós chamávamos o arco da cadeia) e tiraram a freguesia à pastelaria dele. Ele estava assim a queixar-se, mas viu que eu fiquei triste. Disse-me aquilo, porque desde pequenita comecei a ir com a minha irmã. Depois, nessa altura, viu que eu estava assim bem triste, diz ele:

- “Mas tu vens sempre!”

Queria dizer que nunca deixava de me comprar. Mas pouca sorte, porque ele depois morreu. Morreu de uma morte assim de repente e depois eu nunca mais tive coragem de lá ir. Mandei uma carta a dar os sentimentos à mulher por a minha irmã (por a outra minha irmã mais nova). Num mês morreram os dois, marido e mulher. São coisas tristes, não vale a pena contá-las, mas é verdade. Foi nessa altura que deixei de ir lá. Depois já vendi ali pelo Tortosendo ou assim, mas à Covilhã nunca mais voltei.