Do elogio ao medo

Só quando foi aos 9 anos é que veio uma professora de Coimbra. É que começou a dar aulas a rapazes e a raparigas. Nessa altura podiam ser para aí uns 30 talvez. A escola tinha sido feita pela povoação. Até era uma sala muito bonita. Depois, só talvez em 1958, é que fizeram aquela escola do Centro Interpretativo. A professora não esteve cá o ano todo. Sei que passei lá meio ano. Sei que o meu pai, estava lá numa loja no Piódão, disse assim para o pai do senhor Lourenço:

- “Olha, passou em meio ano! Em meio ano passou para a segunda!”

Estava a elogiar-me. Também gostei de ouvir aquilo. Depois veio outra professora que me levou à terceira classe e passou-me. Naquele ano, para passar para a segunda fui sozinha, com a mulher do Manuel, mas ela já era mais crescida. Já tinha andado com o professor. Dos que começaram com aquela senhora fui só eu. Quando eu fui passar para a terceira é que foram os outros todos passar para a segunda. Fui ao Sobral Magro. Fiz a passagem para a terceira sozinha. Os daqui iam todos passar para a segunda. Vá lá que ainda adiantei qualquer coisa. Depois a terceira já fiz de noite. Andei 31 dias. Porque em Arganil perguntaram-me quanto tempo eu andei e disse:

- 31 dias!

Era duas horas cada serão. A professora sei que um dia disse-me assim:

- “A Ana aprendeu mais nestas duas horas do que alguns meus alunos na escola um mês.”

Lá viu que eu apanhei assim um bocadinho mais depressa aquelas coisas. Fui passar para a terceira em Arganil e depois ela preparou-me para também passar para a quarta. Mas, eu tinha muitas coisas para fazer. Tinha que levar os ovos à Covilhã. Só faltavam três semanas para o exame. Eu comecei a ter medo que podia ficar mal, não fui. Depois só fiz a quarta em Coimbra. Mas podia ter ido com aquela professora do segundo ano, que ela disse-me para eu ir. Nós éramos só três que lá andávamos. Ela disse:

- “Olha, a Alzira - era uma irmã da Arminda - não pode ir, porque não tem ainda os 14 anos.”

Não podia ir fazer o exame como adulta.

- “E a Maria da Conceição - que é outra prima minha - dá muitos erros, também não pode ir. Mas a Ana pode ir!”

Mas eu depois comecei a pensar que podia ficar mal, não fui. Às vezes fazemos coisas mal. Podíamos fazer de outra maneira.