“Parece que era 100 escudos”

Aos 10 anos saí de casa dos meus pais. Fui servir. Estava em casa de uma senhora. Foi bem bom. Fui para as Casarias. As Casarias ficam ao pé da Sorgaçosa. Mandavam-me roubar pinhas para a Sorgaçosa e eu chorava muito porque na casa dos meus pais ai de mim que tocasse nalguma coisa. Eu não queria ir roubar pinhas.

Ia todas as semanas com um sarrão de milho. Aos 10 anos. Levava um de milho e trazia outro de farinha, porque a senhora tinha lá uma filha, que era professora, ela moía o milho e eu trazia a farinha. Também já fazia o comer com 10 anos. Era sopa e pouco mais. Passou-se muito na vida. Agora é uma maravilha.

Ao fim do ano é que recebia. Nessa altura, parece que era 100 escudos por ano. Era para a minha mãe e para o meu pai. Já não me lembro o tempo que lá estive.

Depois estive muito doente, estive quase a morrer. Tive que me vir embora. Eu sei lá o que é que tinha. Estava mal, muito doente.

Havia lá uma fonte mais acima e na véspera mandaram recado ao meu pai para me lá ir buscar para me trazer. Ao outro dia o meu pai era para me trazer ao colo de lá para aqui. E eu na véspera para ver se conseguia fui à fonte com um pau, agarrada a um pau. Deixei-me cair e ainda foi pior. Eu pedi a Nosso Senhor, prometi que oferecia cinco escudos se não fosse preciso o meu pai trazer-me ao colo. Graças a Deus saí de lá e o meu pai não precisou trazer-me tempo nenhum ao colo. Então não foi um milagre que Deus Nosso Senhor me fez? Foi. Ele andou a pé, mas eu também andei a pé, não foi preciso ele trazer-me às costas. Graças a Deus, Nosso Senhor fez-me esse milagre!

Vim para cá e depois passou. Melhorei graças a Deus! Não veio médico nenhum, não foi preciso. Nessa altura aquilo era uma miséria. Havia lá médicos... O que havia era um barbeiro, mas isso, valha-me Deus. Mas não foi preciso graças a Deus!