“Pequena para tanta gente”

Era uma casa pequenina. Dormíamos sempre dois juntos e quando cresciam iam para outra sala. A minha mãe e o meu pai tinham uma espécie de um apartamentozito onde eles tinham a cama, onde dormiam. A casa era relativamente pequena, era pequena para tanta gente, mas conseguia-se tudo criar. No Ultramar havia as cubatas, lá chamam cubatas, nas senzalas. E nós de manhã quando passávamos pelas cubatas víamos de lá sair, às vezes, às dez e aos 12 daquela cubata, pequenininha. Eles conseguiam dormir lá todos, numa cesteira.

Na minha casa, cozinhava-se tudo a lenha. Tínhamos um banco pregado na cozinha, um banco corrido, e nós estávamos ali. O meu pai tinha o lugar dele, que era um lugar sagrado. E nós não tínhamos lugar, era o que calhava. E comíamos aí na cozinha, a sopa. Usava muito a sopa de feijão com a hortaliça. E cada um comia na sua tigela. E quando era o conduto, as batatas com peixe ou bacalhau, comíamos todos da mesma bacia. Cozinhava-se numa panela de ferro. Que por acaso até era mais gostoso. Era em ferro fundido. Ainda existem essas panelas. E eram umas panelas de barro também. Mas a panela de barro partia-se muito, era mais barata mas partia-se muito. Quando tinha pouca água, estalava e pimba, lá ia tudo embora. E a panela de ferro aguentava-se. Também havia uma tábua na cozinha, que tinha uns furos e a trempe ia para baixo ou ia para cima, conforme aquilo que a gente quisesse. Punha o tacho e a água aquecia ali. A panela de ferro encostava-se ao lume.

Não tínhamos casa de banho. Tínhamos uma fossazita ao ar livre. Punham o estrume por cima e aproveitavam aquilo para o adubo das couves.

Criávamos um porco que ficava ao lado da casa. Era um porco por ano. E tínhamos cabras e tínhamos ovelhas, mas poucas. Não podíamos ter muitas. À volta de seis cabras e seis ovelhas. E tínhamos galinhas também. O que safava eram as galinhas, os ovos que davam. Era a única maneira de sobrevivência. A gente trabalhava para a sobrevivência.