“O enchido sempre bonzinho”

Naquela altura, quando se matava o porco, eram os dias pequenos e já não se tinha tempo para migar a carne. Por isso, ao outro dia, nunca semeavam. Migava-se a carne toda para umas panelas. Púnhamos-lhe o sal, colorau e, às vezes, umas folhas de louro. Depois a carne estava ali ao menos dois dias, que era para tomar bem do sal. Ao fim podia ficar salgado ou podia fincar insosso. Então, tirava-se de lá um bocadinho de carne, punha-se em cima de uma brasa no lume e comia-se. Se aquele bocadinho tivesse sal que chegasse, a gente já não lhe punha mais, se aquele bocadinho não tivesse sal, punha-se mais umas pedras. Se houvesse tempo, ainda se ia encher as chouriças. Senão, enchia-se ao outro dia. Então, tínhamos uns baraços que a gente comprava na feira. Era de fio. Cortavam assim aos bocados e atávamos a ponta da chouriça. Depois metíamos-lhe uma coisa, que chamavam a enchedeira. Era quase como o feitio de um funil, só que era o cano mais largo. A gente segurava de cima para baixo, apertava com o dedo e metia a carne pela enchedeira. Estando a chouriça cheia, atava-se. Depois tínhamos umas varas de pau na cozinha e pendurávamos ao lume assim bem alto para não chegar o calor. Se lhe chegasse o calor, estragava-se o enchido. Nem sequer podia ser o calor assim muito lentinho. Como se matavam muitos juntos, às vezes 15 e 16 porcos, que era para ajudarem uns aos outros a chamuscar, as mulheres secavam as chouriças umas para as outras. Diziam:

- “Então, o teu enchido já está seco?”

Chamavam-lhe um caniço e era lá que se secavam as castanhas também. Mas, quando se secava as castanhas, já tinham que ter o enchido seco, porque senão tinha que se fazer uma fogueira muito grande. Então para nós ainda era pior, porque o caniço era muito alto e depois tinha que estar uma fogueira muito grande para secar as castanhas. Estragava o enchido. A gente até nem secávamos as castanhas em casa. Era ali naquela casa nova que está na rua, que agora é da minha filha. Era uma casa velha, mas também tinha caniço. Era quando a gente secava duas caniçadas, secava por duas vezes.

Com os lombos e umas fêveras que tiravam do porco é que a gente fazia o enchido. E, ao fim, vendíamos os presuntos para comprar outro porco para o outro ano. Vinha cá um homem dali detrás da serra e também um senhor do Piódão comprar. Mas a gente não tinha onde o pôr o enchido, porque não havia luz. Então, para conservar, púnhamos numas panelas com azeite. A gente, pondo lá com azeite, podia ali estar o ano todo que não se tomava nada de ranço. Estava o enchido sempre bonzinho! Sempre fresquinho como o que fosse feito naquela hora.