“O Manel era tudo”

Eu não fui à escola porque não havia. Eu nasci em 1916. E, só em 1930, é que abriu a escola em Chãs d'Égua. Mas o meu pai ensinou-me a conhecer as letras. Também ele já tinha aprendido com o pai. E o meu avô materno ensinou-me a juntá-las. O nome do meu avô era José Moreira. Depois o meu pai foi-se embora para Lisboa e eu, quando vi que ele se ia embora, digo assim:

- Então pai, comprou-me um livro para eu aprender e agora vai-se embora? Quem é que me ensina?

- “Eu vou falar com o teu avô. Ficas incumbido ao teu avô”.

O meu avô gostava muito de mim, porque eu era neto e afilhado. Não era só neto. Ele é que me baptizou. O meu avô e a minha avó. De maneira que gostava muito de mim. Era o neto mais velho e sempre, até ao final, fui o querido dele. A minha avó tanto acarinhava uns como acarinhava outros, mas o meu avô era uma coisa que eu tinha com ele.

- “O Manel, o Manel, o Manel!”

O Manel era tudo para ele. O meu avô depois é que me disse como juntar as letras. Escrever o nome foi a primeira coisa. Era no Inverno, à noite. Acabávamos de cear, que naquele tempo não se falava em jantar. O jantar era ao meio-dia, mais ou menos. E então ele ensinou-me a juntá-las. A pedra era uma lousa, das casas, não era em caixilharia como agora há. Que já há muitos anos, porque os meus filhos já foi tudo com pedras com caixilhos em volta. Era uma pedra qualquer, escura, que era para sobressair mais o lápis. Era com um lápis de pedra, que se escrevia e fazia contas e tudo isso. Mas eu contas pouco. Poucas fiz com o ensino do meu avô. Era mais escrever só. E com 10 anos, quando fui para a Borda d'Água, lá para os campos de Santarém, já escrevia. Já escrevia as cartas para a minha mãe e escrevia, para Lisboa, para o meu pai. E os correios entendiam-se com aquilo. Elas vinham ter ao destino. Felizmente, nunca se me perdeu carta nenhuma. E ainda fazia cartas para os meus companheiros, que lá andavam. Eram sete de Chãs d'Égua e, desses sete, só eu é que escrevia as cartas para mim e para eles. Eu hoje ponho-me a pensar:

- Não sei como os correios se entendiam. É preciso já ter táctica da vida.