“Nem fazem ideia do que a gente passou”

Assim fomos indo sempre a trabalhar na agricultura. Não havia um modo de empregar ninguém. E aqui na aldeia é tudo a carregar porque não há um carro de bois, um tractor. Agora já temos mas, naquela altura, não tínhamos uma estrada nem nada. Então, tanto trabalhava a cultivar fazenda, como na taberna, como ia tratar de gado.

Já tinha os meus 16, 17 anos trabalhava de costura também. Como ia para a agricultura ajudar, porque tinha que ir mesmo, às vezes era de noite que me agarrava à máquina a costurar. Juntavam-me lá roupa para eu fazer as coisas, eu não tinha tempo, tinha que fazer serão. À noite o meu pai também vinha maçado aí por essas serras, vinha enfadado de cear, e dizia assim:

- “Vá! Agora toda a gente vai para a cama! Vá, vamos dormir.”

Então, eu ia deitar os meus irmãos. Quando apanhava tudo a dormir, é que estava descansada a trabalhar na costura. E era eu que lavava também a roupa de dez pessoas. Não havia máquinas de lavar e na aldeia, no Inverno, a água é muito fria, parece gelo. Então, íamos acolá para aquele ribeiro, porque a água quente nascia ali. Agora passou a estrada e entulhou aquilo tudo, mas era naquele ribeiro que a gente se juntava. Ia para lá toda a gente lavar, porque estava lá o sol até tarde e no outro lado era mais frio.

Antigamente, não havia luxo como agora. Nem as crianças andavam vestidas e calçadas como agora. Ai Meu Deus! Vestiam-se como podiam. Os caminhos eram muito ruins e a gente, quando ia buscar um molho de mato, ia só com umas tamancas. Mas se roçávamos o mato, tínhamos logo que pôr as tamancas no molho e vínhamos descalças. Agora compram-se roupas feitas. Naquela altura não. Mesmo de solteira, era eu que fazia tudo: roupas para mim, para os meus irmãos, para as minhas irmãs, para o meu pai, para a minha mãe e para fora. E, enquanto pequenos, era eu que fazia a roupa dos meus filhos também. As calcitas para os meninos eram um alfaiate ou dois que havia na aldeia que mas faziam. Não me dava grande jeito, porque não tinha vagar. Agora as camisinhas deles e o resto fazia eu! Naquele tempo, as roupas não eram como agora. Eram uma espécie de fioco. Nem vincavam.

A gente via-se para passar a ferro. Tinha que se alinhavar tudo e ao fim é que se passava a ferro. Mas era com um ferro a carvão! A gente punha-lhe carvão com brasas do lume da cozinha. Mas gastava-se o carvão, já estavam apagados! Lá ia a gente acender. Se ainda fosse como agora, com um ferro ligado à luz, a vapor, é um regalo! E as roupas de hoje são outra coisa para se passar que não era naquele tempo. Ao fim só fazia roupas para mim, para os meus sogros, para casa, para a família, mais nada. Depois, quando os meus filhos já eram mais crescidos e eu também já não tinha tempo, dava a roupa a fazer. Agora também já é outra coisa: há roupas feitas e não são muito caras. Mas eu, às vezes, ainda conto para os meus filhos: nem fazem ideia do que a gente passou. Como eu era casada e tinha de tratar de muita terra, para criar os meus filhos, punha-os num berço à cabeça e levava-os para a fazenda aí por essas ladeiras fora. Então, foi assim a minha vida: lavar roupa, costurar, tratar do gado. Mas, pronto, gente assim foi vivendo e assim se vai morrendo na mesma amanhã.