“Antigamente parecia que as pessoas também não eram tão doentes”

Tratar da saúde também era complicado. Não havia médicos perto. Tinha a gente que ir a Avô, a um médico que era o senhor doutor Vasco de Campos, ou a Coja ou, agora mais tarde, à Ponte das Três Entradas. Para nascerem os filhos, tínhamo-los em casa. Não havia cá maternidades. Era sofrer. Agora, assim que sabem que estão grávidas, começam logo a ir ver e daí a um tempo já sabem se é rapaz ou rapariga, se é menino ou menina. Na aldeia não! Quando nasciam, a gente não sabia o que era os bebés. A gente não ia a um médico, não ia a nada e depois, olha, tinha-os em casa. Eram as boas almas que acudiam quando a gente precisava. Eram as mulheres da família que acudiam umas às outras.

Quando as pessoas estavam doentes não iam logo para o médico. Está bem, está. Onde é que havia o médico tão longe e sem haver transporte para lá ir? Era um chá de ervas de cá dos nossos e eram bons. Era a cidreira, que é um chá que eu gosto e compro das caixas também, mas não é como este que a gente cria, e era o chá de hortelã que faziam muito para os meninos. Lembro-me eu que, quando adoeciam, que adivinhavam que fosse qualquer coisa de intestinos ou assim, punham-lhe ramos de hortelã no peito. Mas, quando as crianças estavam pior ou lhes dava mesmo a valer, às vezes, tinham que abalar com eles ao colo ou à cabeça, num berço.

Agora o resto cá se arrumava tudo. Antigamente, parecia que as pessoas também não eram tão doentes, porque o que a gente comia era puro! Os comeres, como eram aqui cultivados, não levavam adubos, não era preciso químicos para os curar. Agora é tudo, tanto couves, como hortaliça, como batatas, como feijão, à base de químicas. Quer-se dizer, saem mais depressa e mais fortes, mas a gente come as coisas já deterioradas, porque é tudo tratado com estes adubos que botam no renovo. Há quem deite a água, só que depois o produto que dão as terras já não é aquela riqueza de antigamente. Antes era só com o estrume que lhe deitavam a enterrar, quando cavavam a terra. Agora, vão as batatas a nascer, já têm que levar uma cura de sulfato para matar esses insectos que é o escaravelho ou é o piolho (a que chamam formiga) do feijão. Tem que ser tudo injectado com químicos. Por isso, as pessoas não eram tão doentes antigamente. Há aí pessoas, que também trabalharam bastante, e já com 90 anos! Alguns até andaram por fora, mas foram criados na aldeia e chegam a esta idade, coisa que a gente agora é difícil. A gente já não come os comeres como eram no outro tempo, porque é tudo à base de químicos. Isto julgo eu. Não sei, mas deve ser. A gente agora não presta para nada e os que vieram atrás de nós ainda é pior. Quando a gente se queixa, eles também já se queixam. Eu fui criada assim e trabalhei tanto e não era doente. E agora, há uns anos para cá, já não posso comer como comia de tudo e já tudo me faz mal. Já não posso tocar em certos comeres, porque o organismo já não é o mesmo. Não sei se é dos ares, se é dos comeres, mas as pessoas não são saudáveis como eram naquele tempo. E agora, antes de ontem, o médico que vinha à aldeia deu a despedida que vai ser transferido para outro lado. Fiquemos aqui sem médico. Sem a gente ter depois quem faça uma receita para medicamentos... é complicado.

Nasci cá e, como digo, só estive 16 meses em Lisboa. Realmente a vida na aldeia é mais saudável, mas mesmo assim a gente trabalha muito e estou cansada. A minha coluna está toda desenformada. Já parti a clavícula, já parti ossos e agora junta-se tudo. Também sofro desta perna. Incha-me juntamente com uma parte no braço. Às vezes, nem de noite estou bem na cama. E trabalhar na agricultura já não posso. Faço a minha vida normal. Tem que se ir andando, conforme Deus nos vai ajudando.