“Faziam flores, deitavam flores”

Casei na igrejinha daqui. O meu marido ia vestido com um fatinho azul e camisinha branca com gravatinha. Eu levava uma blusa branca, uma saiinha azul escura às preguinhas, um lenço chinês na cabeça e um xaile preto de merino. Chamava-se lenço chinês. Eram lenços com umas flores bonitas e tal. Era um lenço bonito. Chamava-se xaile de merino, de seda, com uma franja bonita. O nosso enxoval dessa altura era poucochinho.

Vinha-se a pé, que cá não havia carros. Viemos a pé lá de baixo para cima para a igreja. A gente lá veio e as pessoas, de cima, deitavam flores. Eram assim os nossos casamentos cá. Ah, foi muito bom! Ajuntou muita mocidade. Havia muita, nessa altura. As minhas primas, os primos, família, tudo ali. Era muita fartura nessa altura.

Era o pequeno-almoço farto, era o jantar farto e depois era a ceia farta. Matavam-se carneiros. Uma pessoa de família tinha um carneiro, que pesava 36 quilos. Depois, faziam no forno. Era temperadinho, ia naquelas caçoilas de barro e iam ao forno a assar. Faziam batatas a acompanhar, faziam arroz, faziam estas coisas assim. Nessa altura, matavam os carneiros, matavam ovelhas, faziam cestas grandes de bolos no forno, fazia-se à fogueira as filhós e tigeladas... Foi muito bom. Faziam também pães leves. Nessa altura, chamava-se pão leve, agora é pão-de-ló. Eram os doces do casamento. Depois, está claro, era bailaricos lá para baixo. Era o divertimento, nessa altura.

Ainda cá fiquei um tempinho, mas o meu marido arranjou lá um quarto e fomos para Lisboa. Já lá estou há 54 anos.