“Não havia quem desse um tostão a ganhar”

O meu pai era Manuel Francisco Júnior e a minha mãe era Rosária da Conceição. Ele era da Malhada Chã e ela era do Tojo. Trabalhavam na agricultura.

O meu pai trabalhou também na serra a arrancar cepas e fazia carvão. Era onde ganhavam alguma coisa para o pão, para os filhos. Arrancavam as cepas. Depois faziam uma cova e punham-nas para lá a arder e, conforme elas iam ardendo, assim iam tapando, tapando. E, quando chegavam ao cimo, já tinha ardido as cepas para fazer o carvão, é que tapavam e ao outro dia iam tirá-lo. Depois ensacavam-no e iam nuns machos - chamavam os almocreves. Vinham, então, os homens próprios que negociavam naquilo. Iam lá buscar o carvão e levavam para depósitos, para depois venderem. Depois iam levá-lo para Lisboa para acenderem os fogareiros. E era assim. Havia muita gente a fazer isso. Era, naquele tempo, o que rendia para ganharem alguma coisa. Era da fonte de rendimento que eles viviam. Agora não me lembro. Eu era miúda e não sei quanto é que é que custava. Mas era aí uns 20 escudos cada saco ou nem isso. Sacas grandes. Outros iam para as Minas da Panasqueira trabalhar para ganhar dinheiro. Era assim que eles viviam.

A minha mãe olhava por a gente, fazia o comer e trabalhava no campo. E trabalhou muito, coitadinha.

Viemos para o Pai das Donas tinha eu 7 anos. Lá em cima, na Malhada Chã, aquilo era muito pobre. E o meu pai veio para ali para amanhar terras doutras pessoas. Chamavam caseiros. E depois comprou lá uma casa, comprou uma fazenda e a gente ali ficou.

Éramos seis irmãos, nós os filhos. O mais velho era o Horácio. A minha irmã era Benvinda. Era outro, o Manuel, sou eu e é um outro irmão meu. E morreu uma com 17 anos com um tiro, umas brincadeiras dum colega. Quando o meu pai morreu, ainda o meu irmão mais novo não tinha 1 ano e faltavam três dias para a minha irmã fazer os 18 anos. Morreu. Foi um ataque cerebral. E o dia em que o meu pai fazia 59 anos morreu-me esse irmão mais novo, no dia 21 de Fevereiro.

E foi uma vida de muitas, muitas dificuldades para a minha mãe. Não havia quem desse um tostão a ganhar. Não havia quem ganhasse nada, era só miséria e a gente passava mal. Dizem que agora está mau. Nunca esteve como agora está! Depois cada um esgravelhou para onde pôde. Tínhamos lá a mãe-galinha que nos dominava para aqui e para ali e assim foi a vida, difícil. A gente respeitáramo-la sempre. Mesmo os meus irmãos eram homens e respeitavam-na sempre. Havia filhos maus, que tratavam mal os pais. A gente não. Tratávamos sempre bem a minha mãe. Toda a gente se admirava. Por isso é que eu digo que era uma mãe-galinha. A galinha chama os pitos para ela. Ela também era assim, coitadinha.