O gado, as estradas, as minas e Lisboa

Comecei a guardar gado tinha 7 anos, a guardar as cabritas no meio das serras. Eram oito a nove horas na serra até o pôr-do-sol. Levava um bocado de pão, quando havia era um bocado de carne no pão. Levava queijo. Fazíamos e depois iam vendê-lo a Fajão, num cesto ao ombro conforme calhava. Já não me lembro quanto custavam. Era outro dinheiro. Era patacos. E andava descalço. Até aos 10 anos andei descalço. Ainda me lembra de fazer uns tamanquitos, ainda era pequenito, o cabedal não dava, foi uma chatice, atirava-os “pia além” e andava descalço. Mesmo quando nevava. Ia na Mourísia, para a casa do meu padrinho, ia-se também para guardar as cabritas, e ia descalço havia muito tojo, tinha que estender a capazita, por cima dos tojos para passar descalço. Era triste.

Um dia, eu estava num sítio onde havia uns buracos, era o lacrau a fugir, tudo a fugir e vinha um lobo já com um cabrito, que trazia, tinha 15 dias, e o meu pai disse-me assim:

- “Se algum dia tiveres um lobo que venha para o gado, tu atira-lhe com o capucho.”

E eu fui para ir à cabeça, e tiro o capucho, naquele tempo usavam só uma capuchita, quando estava a chover, e ele largou logo o cabrito. O cabrito foi para o meio das cabras e eu atrás do lobo para o outro lado, para cima. Tinha 10 anos.

Quando comecei a servir, na Castanheira, a guardar gado, tinha 13 anos. Andei até aos 16 anos. O meu pai não tinha outra solução que o gadito. Foi quando comecei a ganhar qualquer coisita é que me compraram os meus primeiros sapatos.

Aos 16 anos fui para as estradas. Ganhava 25 tostões. Era com uns carritos, ainda pequeno. Mas já começava a tirar peneda. Depois aos 18 anos eu é que carregava o fogo e fazia os tiros mais outro homem, esse já morreu, até era meu primo. Eu carregava o fogo, é que lidava com aquilo. Era com uma broca, andar com a broca de roda, e outro a bater-lhe, era preciso ter olhinho no que estava a fazer. Era perigoso. Trabalhava com pólvora. Ainda carreguei alguns com dinamite. Íamos ao Senhor do Parrozelos, havia água, depois metia-lhe as mechas, enfiava-lhos para dentro e depois é que rebentavam. Naquele tempo saltava que eu sei lá, parecia um tiro.

Como nas Minas da Panasqueira a gente ganhava mais, era 12 escudos que ganhava, fui para lá, mas as vistas começaram-me a arder da fumaceira que lá ia dentro, depois deixei de ir. Andei só um ano e tal. Trabalhava debaixo do chão, iam para os montes onde a gente andava, chamavam as vagonas para as torgas e enfiava o cascalho por ali abaixo. Era perigoso. Da minha terra, os rapazes novos morreu tudo. Depois tornei a voltar para a estrada, ganhava 6 e 500, e daí fui para Lisboa, andei lá 10 anos.

Em Lisboa arranjei trabalho a tratar de animais. Galinhas, porcos e coelhos. Era assim a minha vida. Tinha 26 anos. Era na Quinta da Caçadeira. Era só eu e o patrão que se chamava Albano Farias. Tratava dos animais para comer, ele poupava na farinha. Tinha a fábrica dele. Depois uma pessoa levava a farinha, depois amassava e botava-lha para dentro. Lá não tinha horas nenhumas. Era tudo noite e dia sempre a andar. Ganhava 22 escudos. A dormir era com uma mantazita, e deitava-me ali. Era ao pé dos animais, ali é que era a pensão.

Depois voltei para as estradas, até o resto da minha vida. Aí já se ganhava dinheiro, que era oito horas de trabalho. Nas estradas até o Porto da Balsa, fui eu que a ajudei a levar e daqui foi até os Penedos Altos. Fui ali até ao Piódão. Carregava os tiros de cima, as pedras pelo ar vinham parar quase à ribeira. E depois de lá, pronto, acabou. Acabou as estradas, era a amanhar a fazenda.