“Era uma pessoa valente”

Aos 12 anos eu já andava ao dia fora. Já ganhava como aquelas que tinham 20 e mais. Era uma pessoa valente. Hoje já estou fraca. Era sachar milho, desfolhá-lo, tirar-lhe a folha, tirar as espigas, trazê-las, escarpelá-lo, malhá-lo, fazia a gente tudo o que mandavam. Às vezes, mandavam a gente ir ao mato. Em certo tempo tínhamos as cavacas para pôr no lume. Íamos a uma feiteira que agora está cheia de mato, um ranchito de raparigas “pia além” para ganharmos qualquer coisita. Primeiro ganhávamos 25 tostões por dia. Era um dinheirão. Mas não era para mim. Dava-o para a casa. Não tenho um tostão do que ganhei. Tenho dinheiro, sim senhor. Mas do que ganhei não. Sempre o dava. O meu pai, vendo que tal, ia comprar este bocado, aquele bocado. Estava sempre empenhado. Ia pedir dinheiro. Comprou uma fazenda por 30 contos. Naquele tempo, era muito dinheiro. Viam-se à rasca. E a pagar os juros caros. Arranjava-se para os juros, então mas e para o próprio? Ia comprar umas ovelhelhas, umas cabrelhas somenos, metíamos numa fazenda, depois tratávamo-las bem. Depois elas estando boas, vendia-as e já ganhava dinheiro. E a minha mãe fazia muito queijo, comíamos muito queijo mas também vendia. Com aquele dinheirito é que ia para a feira comprar. Era assim. À comparação de aí alguns nós fomos criados muito bem. Alguns, coitadelhos, de manhã davam-lhe a sopa. Ao meio-dia umas batatas ou sopa também. À noite outra vez sopa, leite nunca tinham de fartura. O que é tínhamos de trabalhar! Também o mais pequenito ia para a escola ainda tinha que ir tratar dos cordeiros e ainda tinha que ir buscar um molho de mato. E pequenelhos! Nós fôramos criados com muito trabalho. Às vezes, vinham aí as pessoas e:

- “Olha amanhã pode-me ajudar?”

E a minha mãe dizia:

- “Ai Jesus que há tanto para fazer!”

- “Olha é bem feito!”

Quando era pela altura da festa tinha-se sempre roupa para o mais pequenito, até ao mais velho. Estreávamos sempre roupa, os vestidos que ela nos fazia. Ela para a gente comprava sempre roupinha boa. Mas mesmo o pequenelho, naquele tempo, não havia calçado como agora, comprava-lhe uns peúguelhos e umas meielhas para pôr nos pés.