“Aqui, voltei à primária”

Ainda andei na escola lá em França. Lá, o grau é diferente. Temos o primeiro mas depois é como seja logo o liceu. Depois, temos a universidade. É diferente. Mas equivalente aqui, foi até ao sexto ano. Depois, aqui, voltei à primária, porque uma pessoa quando vem de França para Portugal atrasa dois anos. E quando vai de Portugal para França adianta dois. Daqui para lá aumenta e de lá para cá diminui. Isso foi um bocado... Uma pessoa já era grande, via aqueles pequenitos, era um bocado diferente. Só que era obrigatório, uma pessoa tinha que estudar. Vinha para aqui, ficava só com a da França?

Não havia aqui escola na aldeia. Tínhamos que ir para a Moura da Serra a pé. A pé! Às vezes, à chuva e a calcar neve. Íamos uns cinco ou seis a pé. Demorava meia horita, três quartos de hora. Era conforme. Havia uma rapariga que tinha hepatite. Às vezes, tínhamos que ajudá-la a levar as coisas, porque ela cansava-se muito mais que a gente. Íamos todos. Levávamos o almoço e ficávamos lá. Às vezes, levava sopa, arroz com carne, era variado. Nunca era sempre a mesma coisa. Depois, começou a vir cá um homenzito que tinha um carro. A escola falou com a Junta e ele levava a gente e ia-nos lá buscar quando era a hora de a gente sair.

Notei diferença na escola. Tanto na escrita como na Matemática, é um bocado diferente. Lá é mais à base de escrita. É tudo escrito no quadro. Eles faziam os testes nos quadros. Não tínhamos tantos livros como cá em Portugal. Senti um bocado isso. Cá, uma pessoa tinha aquela coisa do “vou ter que levar os livros para a escola”. Lá não, lá era à base de cadernos. Aqui a parte da escrita não foi difícil, porque eu tinha lá um livro da primeira classe da minha mãe. Ela tinha aquilo em lápis. Eu apagava e depois punha-me a fazer no livro e fui aprendendo assim aos poucos. Os professores, também, como sabiam que eu tinha vindo doutro país, deram-me uma ajuda maior do que davam aos outros colegas. Depois, aprendi rápido. Fiz a primeira classe em Português e a segunda em Matemática. Daí, automaticamente, entrei logo para a terceira. Foi muito mais rápido, senão tinha que estar no primeiro, no segundo... Chegava a um grau quando andava na escola já era homem!

Os castigos, lá, era assim: punham-me no corredor virado para a parede e só quando o professor dissesse:

- “Pode vir para dentro da sala.”

É que vinha. Não havia lá nada destas coisas das reguadas, nem levar com a régua na cabeça, nem nada disso. Era:

- “Vais para o canto e pronto!”

Virado para a parede o tempo que o professor quisesse.

Aqui, era diferente, era aquela coisa das reguadas nas mãos. Quando estavam a ensinar no quadro, quando uma pessoa não sabia, davam com a vara na cabeça. Essas coisas assim. Eu, reguadas, nunca levei, mas levar com a vara na cabeça cheguei a levar. Então, uma pessoa não sabia as coisas, respondia mal e a professora, pimba.

Estudei até ao sexto ano. Andei na primária e fiz o ciclo. Depois do sexto ano, desisti. Tinha 16 anos. Uma pessoa, começou a crescer a barba, começou a ver entrar pequenitos, era o mais alto deles todos, começava a olhar para aquilo... Bem, uma pessoa aqui é o pai deles todos. E eu, com um bocado de vergonha, não segui. O meu pai ainda me tentou incentivar:

- “Continua, continua.”

E eu:

- Não, não.

Não, porque aquilo é só pequeninos. Uma pessoa chega ali, vê-se no meio daqueles pequenitos todos... Que é que cá hão-de dizer às pessoas?

- “Aquele gajo é burro! Não aprende...”

Eu, não. E os professores:

- “Ah, porque é que não continuas?”

- Não continuo, porque tenho a idade que tenho. Entram sempre aqui estes pequenitos. Uma pessoa no meio deles é pai deles todos.

E eles:

- “Ah, pois. A gente também compreende... Então, mas podes seguir à noite!”

Ainda lá andei um tempo, à noite, mas vinha o mau tempo, vinha a chuva, vinha a neve, uma pessoa não podia sair de casa... Mas, às vezes, uma pessoa diz assim:

- Porque é que eu não estudei? Porque é que eu agora não ando na escola? Agora, tenho de trabalhar ao frio... Às vezes, está a chover, uma pessoa não pode trabalhar, não o ganha...

Uma pessoa pensa no tempo perdido, mas já não dá para voltar. Ainda pensei em estudar à noite, só que uma pessoa tem que ir daqui para Arganil e os transportes, de noite, não há. E de motorizada, é um bocado complicado.