“Protegida pelos colegas e pelos sindicatos”

Trabalhava numa fábrica de calçado de senhoras. Todo o Inverno, a gente ia para a fábrica. Saía de casa de noite e entrava em casa de noite. Eu quando estava na fábrica, ah, estava tudo iluminado, estava claro, estava-se lá bem. Mas depois, quando se saía, era uma escuridão! Tudo escuro na rua. Não se via a luz do dia durante o dia. Trabalhava poucas horas, mas os dias eram pequeninos... Depois, quando vinha o mês de Janeiro, que entrava o Ano Novo, começavam a crescer os dias e cresciam muito depressa lá. Quando era em Janeiro, já se vinha com sol. Era uma alegria.

A gente não tinha tempo de falar com os suecos. Quem sabe falar, ganha assim mais conhecimento, mais convivência. Mas eu não sabia falar, não sabia ler. A gente desenrascava-se. Às vezes, não era muito bem para me desenrascar no trabalho. Bem, mas os colegas sabiam e eram muito bons. As colegas eram muito boas para mim. A gente habituava-se e depois já aprendia com elas. Elas diziam-me como era e eu aprendia. Mas não dava para falar assim muito por fora, para qualquer pessoa. O meu marido e a minha filha é que iam às compras. Depois, ela foi-se embora. Fiquei com o meu marido. Mas também tinha lá o meu filho. Então, quando era preciso assim alguma coisa que eu não me desenrascava, ele ia comigo para traduzir.

Fui muito ajudada lá dentro da fábrica e tudo. Trataram-nos logo dos papéis para fazermos descontos quando a gente foi para lá. A gente começou logo a descontar. Havia pessoas que iam para lá e depois vinham-se embora e não tinham direito a nada. Nós, como não sabíamos falar, tivemos a ajuda da minha filha. Começou primeiro lá a trabalhar, mas ela sabia ler e escrever. Desenrascava-se melhor. Os sindicatos vieram logo ter com ela e arranjaram-lhe logo os papéis para entrar para o sindicato. E depois comigo fizeram o mesmo. Então, tínhamos as regalias que tinha qualquer cidadão de lá. Tinha essas coisas tudo em dia. Os sindicatos sabiam que a gente não sabia falar e diziam que os de lá que se sabiam desenrascar e a gente não. Então, diziam que, se a gente precisasse, chegasse ao pé deles, dissesse que tinha uma dificuldade, que não podia trabalhar neste lugar, que tinha este problema ou aquele e eles mudavam a gente. Iam logo falar com os patrões e mudavam a gente para outro lugar. Fizeram-me isso algumas vezes.

É difícil agora dizer o que fiz na fábrica, porque é muitos trabalhos. Eu só sei dizer que trabalhei em todos os trabalhos que eram feitos lá naquela fábrica. Fazia qualquer trabalho por não saber ler. Mesmo assim aprendi muito lá. Aprendi a letra assim redonda, de imprensa, com as listazinhas que acompanhavam os trabalhos que se faziam. Era umas caixas plásticas que levavam os materiais. Umas levavam o forro das botas, outras levavam as botas e a gente punha os forros. De fora, tinha os forros para pôr dentro da bota. E depois levavam uma listazinha a acompanhar. Eu via as listas que era. Começava por 0, 1, 2, 3, por ali fora e escrevia no livro todos os pares que a gente fazia. Tínhamos um livrozinho de controle, que ia para o escritório. Cada serviço que fazia escrevia-se ali e eles sabiam o que a gente fazia. Tinha um encarregado para ver como é que se fazia a primeira vez. Via como é que estava a listra escrita naqueles papeizinhos e escrevia aqueles números todos ali no livro. Escrevia os pares que eram, tudo. Se fosse outro trabalho, era a mesma coisa. Aprendi muito com essas coisas.

E eu digo que trabalhei em todos os trabalhos lá, porque era assim: um dia faltava uma senhora no lugar dela. O encarregado vinha:

- “Maria, ”komme“!”

“Komme”, vem comigo. Eu ia. Chegava àquele lugar e ele mostrava-me aquele trabalho. Fazia um par ou dois assim para eu ver. Era só isso que era preciso. Depois começava eu a fazer. Ele olhava para mim:

- “Det är bra, det är bra!”

Quer dizer: está bom. Ia-se embora e eu ficava ali. Podia estar ali uma semana ou duas. Eu era uma pessoa daquelas que andava a substituir os que faltavam. Os que estavam doentes, ficavam de baixa ou por qualquer motivo não vinham um dia só. Faltava outra pessoa noutro lado, ia substituir lá até ela voltar. E era assim. Não havia lá trabalho nenhum que eu não fizesse. Até nas máquinas de prensar e de cortar as botas e os sapatos eu trabalhei por nunca ter ido à escola e não saber escrever.

Depois pagavam um acordo. Chamavam-lhe acordo: 1 coroa ou 2 a mais à hora por os trabalhos que a gente fazia. Quanto mais fizesse, mas ganhava. Se fizesse pouco, ganhava o ordenado e não pagavam mais nada.

Graças a Deus, não me tratavam mal na fábrica. Mas eu só trabalhei uns dez anos. E chegou. Foi até me fartar. Já não podia trabalhar mais. Reformaram-me por invalidez. Saí de lá, porque estava de baixa. Os do sindicato lá da fábrica marcaram-me uma consulta médica quando eu disse que me despedia, que me vinha embora. Estava doente, não podia trabalhar mais, não conseguia. Então, o sindicato disse a uma senhora para ela telefonar para o centro de saúde, para me marcarem uma consulta e para ela ir comigo ao médico. Ela pertencia ao sindicato e foi para falar por mim. Ela percebia tudo o que eu dizia, ajudava-me e pediu-lhe para me dar baixa. Senão, os médicos não me davam. Se fosse eu, ia para o médico, o médico não percebia. Deu-me logo baixa. Depois comecei a andar de baixa até me mandaram para o desemprego. Mas eles sabiam e viam que eu não podia trabalhar. Reformaram-me.