“Eram mais os estrangeiros que eram os franceses”

Fui para a França em 1970. Mas as viagens eram maçadoras. Dois dias e uma noite de comboio! Entrávamos em Santa Comba. Às vezes, ia já tudo cheio. Uma vez, entrámos em Santa Comba, fomos até Irún, à fronteira da França, em pé! Em pé! Os lugares já se tinham ocupado, íamos conforme calhava. A gente, às vezes, é que se deitava ou assentava-me nos corredores, que não havia lugares. E depois as mudanças? As malas levavam sempre roupas e, às vezes, umas garrafitas camufladas, que não se podia levar a granel. Vinho podia levar. Nem que fossem 5 litros à mão. Agora, aguardentes, uísque, Macieira, Vinho do Porto, bebidas brancas, isso é que não. Tinham que ir bem camufladas, que não as encontrassem. Depois, a gente, às vezes, passávamos os bagageiros. Esses moços que andavam a portar as bagagens. Não passavam as garrafas pela frente, mas a gente dava uma gorjeta e eles passavam por fora. Por acaso, só fui uma vez apanhado. Lá levava coisas que não eram para mim. Se eu fico calado... Mas abriram o saco. Quando viram cinco garrafas de aguardente, isso foi logo queimado. Paguei 80 euros. Ou então deixava a mercadoria. Quando passasse, tornava a levantá-la. Mas ela já lá estava? Ah, tive que pagar.

Estive no Lille. Região de Lille, não era bem Lille. Trabalhava lá numa fábrica de vigas. Também era frio: 17 graus abaixo de 0. As vigas eram cozidas a vapor. Chegávamos lá de manhã, estava quente. Mas, quando desligavam aquilo, o vapor colava. Andava lá a montar sebes para depois irem para a betoneira.

Aquela fábrica era assim: começava do pé até ao telhado. Era vigas, tijoleira, tijolo, telha, tudo, tudo. Só não tinha era madeira. Madeira é que não. O que tocasse a barro e barro vinha tudo dali. Uma pessoa lá chegava, entregava o projecto, pronto. “Que dia é que quer carregar?” Eu tanto trabalhava dentro, como trabalhava na rua a carregar os camiões. Era tudo trabalho que se fazia lá. Começávamos às três da manhã para trabalhar. Acabávamos às 11 horas. A minha mulher também trabalhava. Então, eu vinha e fazia o comer. Trabalhavam duas equipas. Era uma equipa das três às 11 e era outra das duas às dez da noite. À outra semana, pegava eu às duas até as 10 da noite e os outros pegavam das três às 11. Eram rotativas. Uma semana de manhã, outra semana de tarde.

Lá andámos. Era muito diferente a vida lá. Bem, antes de uma pessoa conhecer as coisas, vinha só da fábrica para casa e de casa para a fábrica e achava um bocado estranho. A França é muito grande. E os franceses havia-os bons e havia-os maus. Mas, onde eu andei a trabalhar, quase que eram mais os estrangeiros que eram os franceses. Pelo menos da minha equipa. Mas, quando uma pessoa começou já a conhecer a fala deles e praticamente certas coisas, já se a vida organizou.

A secção das vigas começou a ter stock a mais, parou. Depois, fomos para a britaria, que era onde faziam o tijolo e telha para as casas. Também começou a enfraquecer, enfraquecer. Depois fomos para a fábrica da telha. Também era “rimas” e “rimas”, stock e stock. Por fim, despediram parte do pessoal e meteram máquinas automáticas, “trilheiros” automáticos. Primeiro, eram quatro homens a trilhar. Depois, quatro homens faziam o mesmo trabalho que faziam seis. Eram quatro a trilhar e dois a desenfornar. Os outros que ficavam lá dentro andavam a portar paquetes para as paletes, para tirar as telhas que estavam podres, que estavam rachadas. Mas, primeiro, telha nenhuma voltava para trás. Pegavam numa telha, batiam-na no ferro e via-se se já estava direito. Pegavam noutra, a mesma coisa. “Tumba”, “tumba”, “tumba”, “tumba”. Assim, sabiam se elas estavam rachadas, se estavam tortas. Depois puseram os trilhadores automáticos, não sabia se elas iam rachadas, se não. Era raro a obra que não voltava telha para trás.

Quando estive desempregado, gozei melhor vida que quando estava empregado. Ah, pois! Quando estava desempregado, andava à pergunta de trabalho. Pegava na bicicleta e ia aqui a esta fábrica, ia àquela, àquela e a um lado e ao outro. Mesmo que não arranjasse trabalho, davam-me um cartão quadrado com 12 casinhas. No fim do mês, tinha que entregar o cartão. Não podia ser o cartão preenchido todo no mesmo dia. Diziam assim:

- “Todos no mesmo dia? Não pode ser...”

Um dia ia aqui, outro dia ia a vários lados. Tive um dia que fiz mais de 100 quilómetros de bicicleta. Mais de 100 quilómetros!

A minha mulher também trabalhava na mesma fábrica, também foi desempregada. Depois, estava no fundo de desemprego, tivemos de vir. Havia também uma situação: a gente gostava que o rapaz aprendesse cá. Ele veio para cá e nós viemos também.