Porco de um ano para o outro

A matança do porco era meio-dia que a gente passava aí, mas bem passado. Porque não era só a pessoa da casa. Tínhamos que chamar aí, pelo menos, mais três pessoas. Um tinha que lhe agarrar numa orelha, outro noutra, outro no rabo, outro para botar a corda para levá-lo para o banco. Vem o matadouro, depois tínhamos que o arranjar. Tínhamos que o chamuscar, raspá-lo, ficar a carne limpinha. Depois abrir o porco. Depois era comer. Às vezes, guardávamos de um ano para o outro. Eram poupados. Guardavam o chouriço, o salpicão e da peça mais grossa que tinha o porco. O enchido, havia um que iam comendo, havia outro que se punha em conserva no azeite para ir comer durante o ano. A parte das pás e os presuntos eram salgados. Depois os presuntos punham-se a secar, curavam-se. Às vezes, até os usavam para vender para comprar outro porco para o outro ano. Naquele tempo de miséria era assim. Vendiam um presunto ou os dois. Diziam que era para comprar o porco no ano a seguir. Eu lembro-me disso.

Nesse dia, os homens iam arranjar o porco e as mulheres tinham que apartar as tripas. Porque as tripas, conforme saem do animal para fora, trazem untos. Estão pegadas as tripas umas às outras. Elas depois tinham que desensarilhar aqueles untos para tirar aquelas coisas para depois as poderem lavar. Iam para a ribeira. Aquilo cheirava mal. Tinham que lavar aquilo muito bem lavado. Estava um dia ou dois em sal, folhas de louro e cascas de laranja para perder aquele cheiro. Para depois se poder encher o verdadeiro enchido. Comprámos tripa de boi, como chamam. Para fazer mais.

Por cima do lume dessas lareiras antigas que havia era o caniço. Tínhamos uns paus, umas varas por cima donde a gente pendurava o enchido e depois estavam ali a apanhar o fumo até se secarem. Secando tiravam aquilo para o lado, lavavam-se. Umas iam-se comendo, outras punham-se em conserva para durante o ano. Era em azeite. Punham-se lá o chouriço dentro de uma talha, como chamam aquilo. Umas talhas que havia, não deixavam repassar o azeite que eles punham dentro de conserva. Depois iam tirando e comendo.