14 anos nas Minas da Panasqueira

Daí a pouco tempo, fui para as Minas. Fui lá pedir trabalho ao director. Tinha que levar uma certidão de nascimento, uma certidão de idade. Fui ao padre para passar uma certidão. Cheguei lá, entrego a certidão ao director. Pôs-me a mão na cabeça e disse:

- “Ser pequenito para 14 anos!”

Ele era estrangeiro. Parece que era inglês. Eu disse:

- Sim, tenho 14 anos. E está aqui a cédula!

- “Não, não. Ser pequenito. Eu ver isso e... Está falso!”

E não se enganou. Tinha só 13. O meu pai, que Deus tem, é que lá foi pedir ao padre para adiantar um ano, para me pôr na certidão com 14 anos, que era para me darem trabalho nas Minas. Ele pôs. Pronto, fiquei lá a trabalhar. Quando vinha o director, os fiscais lá daquilo mandavam os que não tinham idade para um valeiro. A gente ia-se lá esconder para aquele valeiro até o gajo se ir embora. Não podiam andar sem terem a idade. Era assim naquele tempo. Não era como agora. Era miséria.

Para lá, fui acartar molhos de brocas às costas para os martelos trabalharem. Aquilo era duro como o diabo. Depois, fiquei a carregar brocas com uma zorra de quatro rodas para os depósitos. Andei muito tempo naquilo. Mais tarde, quando já era mais velho, fui andar com os vagões cheios de cascalho naquelas linhas, em filão. Era trabalhar com uma “vagona” a carregar cascalho das Minas para a rua.

Trabalhei lá cerca de uns 14 anos. Naquele tempo, os martelos não trabalhavam a água. Eram martelos pequenos e trabalhavam em seco. Depois, mais tarde, é que já meteram martelos a água. Não faziam borralha. Os outros faziam muito pó! O veneno daquilo era a silicose. Morriam as pessoas debaixo da terra. Ali em São Jorge da Beira, lá perto das Minas da Panasqueira, as pessoas morriam aos 50, 60 anos. Pois, por causa das Minas. Naquele tempo, não havia onde se ganhasse nada e a gente ia para a ali. Era o piorio.

Lá dentro, havia capacetes, mas era só para os “marteleiros”. Para a gente não havia. Era muito perigoso. Uma vez, ficou-me lá uma perna debaixo duma “vagona”. Andei um ano sem trabalhar. E morreu lá muita gente debaixo. Morreu lá um sobrinho meu, que há pouco tempo se tinha casado. Coitadinho. Andava a trabalhar e caiu-lhe um liso de cima. Depois, ainda foi numa avioneta para Lisboa, mas chegou lá, morreu. Já não se conseguiu safar. É assim. Morreram lá muitos. Nessa altura, eu trabalhava com um martelo a fazer chaminés com 50 metros e mais. E a água a cair. Tinha que se pôr uma lata no gasómetro para modo de se ele não apagar. Isto era terrível. Morreu lá um da minha terra. Coitadito, caiu da chaminé abaixo, morreu logo.

Depois, fazia-se greves para eles darem mais dinheiro. Uma vez, andava lá um - que era o cabecilha daquilo - que combinava com o pessoal. Nesse dia, chegavam-se. Estava o pessoal todo para entrar, tocavam nuns ferros, uma sineta de ferro, que põem lá em cima, por a linha. Ting, ting! Era para entrarem para as Minas. Mas, em lugar de entrarem à mina para as Minas, cada um foi para suas coisas. Ninguém foi para as Minas. Entrando para as Minas, cada um ia para seu lado. Iam-se embora. Nenhum entrava à mina. Naquele tempo, quando se fazia uma greve, cada um ia para suas casas. Depois, andavam por as terras a chamá-los e tal para modo de eles irem trabalhar. Eles então:

- “Se é para dar o que se pediu, vão. Se não dão, não vão.”

Depois, lá deram o que pediam e lá iam outra vez trabalhar. Um dia, estava o pessoal todo à boca da mina para entrar. Tocavam a sineta e ia já um por a mina acima. Um mandou-lhe uma pedrada. Ficou logo com uma pata no ar! Não deixavam entrar ninguém. O pessoal tinha que respeitar uns aos outros. Não era uns trabalhar e os outros não iam trabalhar, que assim não valia nada.

Fui para lá ganhar 5 escudos por dia! Foi o primeiro dinheiro que lá ganhei. Depois ia aumentando para 6, 7, 8... É a vida. Era o ordenado pequeno. Então, saí das Minas. Trabalhava nas peneiras e de amolador. Já tinha saído das Minas há muito tempo, o meu irmão, que Deus tem, começou-me a dizer:

- “Ó irmão, vem para as Minas. Ganha-se lá bom dinheiro...”

Voltei para as Minas. Nunca para lá devia ter ido, mas caí na patetice de lá voltar outra vez. Aquilo era muito doentio com a silicose. Eu via aí. Estragava-nos os pulmões e alguns, em pouco tempo, morriam.