Patrões velhacos

Tinha 8 anos, tinha que guardar umas ovelhas aqui para o pé da Moura da Serra, uma terrinha que ali havia. Estive lá dois anos e dois meses. Os meus pais foram-me lá levar e no outro dia, de manhã, foram-se embora. Eu, quando acordei e me vi ali, comecei a gritar:

- Ai, quem me acode? Ai, quem me acode?

Vim para o pátio e queria sair de lá para fora. Depois, pronto, fiquei e lá estive.

Botava-se as cabras para o mato e guardava-as até à noite. À noite, vinham outra vez para o curral até ao outro dia de manhã. A gente ajuntávamos, às vezes, dois, três pastores uns com os outros. Era a vida. Nesse tempo havia lobos e lobas e tudo! Agarravam as cabras quando as apanhavam lá no mato. Eu nunca tive problema com os lobos. Mas noutros tempos, quando estava assim nevoeiro, eles saltavam nas cabradas. Quando se dava contas, já eles vinham com elas às costas, nos dentes.

Todos os dias de manhã, quando ia botar as ovelhitas, eles iam ordenhar e davam-me um copinho de leite a beber. Mas, depois, tinha lá a patroa que era velhaca como o diabo. Volta e meia, arrochava-me. Mas bem. A gaja não era das melhores. Arrochava-me por qualquer coisa que não acordava lá bem a ela. Oh! Uma vez estava lá a migar umas laranjas para as cabras e as ovelhas comerem e veio o estupor para mas tirar do cesto. Veio com faca, fez-me uma cortadela numa perna! Fui logo arrochado nesse dia.

Depois, vim-me embora. Já não queria lá estar. Vim para uma casa ali para Sarzedo, para o pé de Arganil. Guardava umas cabras também. Aí estive só um ano, que o patrão era velhaco. Se eu me ajuntasse com outros pastores, à noite, já sabia que ele ia à cozinha. E no fim de comer:

- “Vá! Tudo em pé!”

A gente levantava-se logo em pé, era umas verdascadas ali! Era velhaco como quê. Um dia, os meus pais foram lá. Disse-lhes:

- Eu vou-me embora, que estou aqui a aturar este gajo! Este gajo é bem velhaco. Anda-me sempre a arrochar!

Fui-me embora. Mas os patrões diziam que não. Tiveram pena de mim. E, quando lá passava a trabalhar nas peneiras, comia sempre e bebia. Eram bons para mim.

Já não me lembra quanto ganhava nessa altura. Era pequenito. Mas pagavam-me. Então, não haviam de pagar? Estava de graça? Mas aquilo era mesmo coisa pouca. Quando estive ali no Sarzedo, era alguns 10 escudos por mês. Dava-os aos meus pais. Os meus pais é que levavam o dinheiro. Era tudo barato nesse tempo. Era no tempo dos meios tostões, 5 tostões. Havia notas em 5 tostões, o dinheiro em papel naquele tempo. Depois começaram a vir a 20 escudos, 50, 100...