“Dormia-se em carrapato”

Nasci na quinta, dentro da casa. A gente só tínhamos fazenda a um quarto de hora de lá para o povo. Naquele tempo, era casas de lajes e pedra. Lajeadas como agora ainda há aqui na Mourísia. Por dentro já era separada com madeira. Era dividida com frontais de madeira. Tinha dois quartos, a sala para a gente estar e a cozinha. E, por baixo, tinha uma boa loja para pôr as pipas do vinho. Tinha até duas. Era onde se metia as cabras. Tínhamos um rebanho de gado.

De Inverno, morávamos no povo. Tínhamos lá a casa para viver, um moinho, uma moenda na ribeira para moer a farinha. Não era todo nosso. Só tínhamos parte naquele moinho. E tínhamos um forno e lá se cozia o pão também. E, graças a Deus, só vínhamos para lá no Inverno. Depois, de Verão, íamos outra vez para a quinta.

Antigamente, não havia casas de banho em casa. Não era como agora. Ia-se ao mato, à fazenda. E para tomar banho, ia-se à ribeira. Só no Inverno é que se aquecia um caldeiro de água e púnhamos numa bacia grande. Tomava-se banho assim.

O ambiente era estarmos lá em casa a aquecer ao lume. À noite, comíamos a ceia e íamos para a cama. E antigamente, rezávamos! Nunca se levantava da mesa sem se fazer a reza. Nunca! Erguia-se as mãos para Deus Nosso Senhor e tinha que se rezar. O meu pai, que Deus tem, não deixava levantar ninguém da mesa sem rezar e pedir a benção aos pais. Depois, então, ia-se para a cama. Naquele tempo, dormia-se em carrapato, entre o meio dos lençóis para não se pôr a pé a roupa, nem as cuecas, nem as calças, nem as camisolas. Não era como agora. Agora, é outra vida. A vida é outra.