“A vida de pobre”

Entretínhamo-nos uns com os outros. Uns com uma bola, outros faziam uma covazinha e com uns pauzitos, com uma pinhazita fechada, dos pinheiros, a jogar aquilo. Quando havia um ou outro que metia aquilo dentro daquela poçazinha, ficávamos todos contentes. Assim como agora com a bola. E assim eram as nossas brincadeiras, os nossos convívios. Tínhamos os animaizinhos. Claro, tínhamos umas cabritas, tínhamos umas galinhas, uns coelhos, um porco. Como ainda há muita gente que ainda tem. Mesmo assim éramos pobres, mas chegáramos a matar dois porquitos. Tínhamos que ir à hortaliça. Tínhamos que ir à erva, ao pé da ribeira e a carregar para cima.

Eu ia para o Sobral Gordo no tempo que era novo, mas tinha que ir primeiro fazer isto e isto e depois é que ia. Chegava às duas, três horas da manhã a casa, a gente agarrava no cestito e ia para a floresta, para se ganhar alguma coisa. Era assim a vida de pobre.

Eu para ir para essa aldeiazita, a minha mãezinha que Deus tem, tinha que me enxugar com uma coisita qualquer por cima do corpo. Enquanto agora tenho três farpelas vestidas. Por cima do corpo, enxugava-me uma camisazita para eu vestir, para ir. Hoje, se fosse preciso vestir uma camisa todos os dias, todos os dias tinha uma camisa. Era uma miséria. A gente, as camisas não era tanto, mas as calças chegava-se a ponto que não se conhecia o que é que era a peça. Chamava a gente remendos, bocados. O calçado era um calçadozito de qualquer maneira. Rompi muito calçado de uns senhores que havia na Mourísia. Ainda são vivos, o que é estão para Lisboa. Eram umas botas e havia uns tamancos. Era o que calhava. Chamavam uns tamancos. Um tamanco é um bocado de pau por baixo, pregado à volta com um coisinho muito pequenino e pronto. Aquilo era até mais quente, praticamente, que as botas. Mas aquilo grande, a gente enfiava um bocado de uma coisa qualquer para encher e tínhamos que romper aquilo. Já tínhamos quase idade de ir à tropa quando calçávamos uns sapatozitos como deve ser.