“Uma vida bonita e linda”

Depois a minha mulher começou a ter problemas. Por causa de uma coisinha, uma azeitonazinha pequenina, debaixo da cova do braço. Foi ao Hospital, na Praça de Espanha. O médico informou-nos daquilo e disse:

-“Nós vamos operar isso e se a gente vir que é maligno, não lho tiremos, agora se nós virmos que não é, então vamos fazer a operação a isso.”

Disseram que não. Que não era maligno, fizeram a operação. Havia um médico, aqui em Côja, que ainda hoje lá está, é o meu médico agora e foi o dela enquanto ela foi viva. Ela, de tantos em tantos meses, tinha que ir lá fazer uns exames e tratar daquilo. E o médico disse-lhe assim:

- “Ó dona Lurdes, você não é preciso andar a caminho de Lisboa.”

- “Então porquê?”

- “Eu tenho aqui nos Covões, lá em Arganil, uma equipa de médicos que resolve isso, trata disso e você vem cá.”

Assim foi. Aquilo foi andando, foi andando, chegou a uma determinada altura o médico disse-lhe:

- “Dona Lurdes você nada de esforços, nada de você abusar. Só o indispensável da vida de casa, que isso é mau, isso é uma doença ruim.”

Vai fazer o dia 16 de Maio, sete anos que ela faleceu. Eu fiquei novo e ela era a mais nova, foi a primeira. A nossa vidinha já era cá. Ela com a reformazita dela, era pequena mas pronto. Eu com a minha, passávamos aqui uma vida bonita e linda. Umas batatinhas, uns feijões que eu ia amanhando. Assim como hoje ainda amanho. O filho leva e eu dou à família. Divido com quem eu quero. Era uma vida bonita que eu tinha. Acontece isso. Vou para Lisboa outra vez, mas não chegou a dois anos. Depois eu dei-me em aborrecer com aquilo. Vim embora. O filho e a nora, ainda hoje, não estou na Mourísia por vontade deles:

- “Ai não vás para lá, estás lá sozinho, e isto e aquilo. Não pode...”

- Seja o que Deus quiser. Há lá mais pessoas sozinhas.

Prefiro estar na Mourísia porque a coisa é diferente. De Inverno, é que é um bocadinho ruim. Mas eu agora já não trabalhava. Eu tinha que estar sempre em casa. E eu aqui na Mourísia não. Amanho uns bocadinhos, tenho as batatinhas, tenho os feijões, tenho essas novidades todas e ainda faço uns servicinhos aí a um senhor. Aqui estou melhor. Só é estranho estar sozinho.