“Pensei em montar uma oficina de carpintaria minha”

Comecei aqui na terra, na Mourísia, a dar os primeiros passos de carpinteiro, assim já com umas ferramentas que o meu pai tinha comprado e gostava daquilo.

Pensei em montar uma oficina de carpintaria minha, mas havia um problema, é que a terra aqui não estava electrificada. Eu ainda comprei a máquina acho que para aí uns dois anos ou três antes. E tinha-a aqui à espera que a terra fosse electrificada para começar a trabalhar. Tinha uma máquina que fazia mais ou menos tudo, já antes até de reconstruir a casa.

Antes da electricidade ainda andei um tempo a trabalhar nas obras aqui perto, aqui nesta zona, até que isto fosse electrificado. Andava também nas cofragens a assentar portas e janelas. Aqueles trabalhos que se estão a fazer nas obras.

Eu já tinha preparadinho para quando viesse a luz eu começar a trabalhar, mas claro, eram precisos muitos recursos porque não era só aquela máquina, depois era preciso mais outras pequenas máquinas. Quando foi isto electrificado eu comecei logo a trabalhar aqui na oficina. Já tinha para aí 28, 29 anos.

Foi um bocado difícil. Pelo menos para a fase inicial. Necessitava também de uma serra que era essencial, então eu tive que trabalhar muito para ir comprando aos poucos, mas comprar e ninguém me vir bater à porta para me vir buscar as coisas. Foram anos muito difíceis porque era preciso comprar máquinas, era preciso comprar material. Foi muito complicado. Foi preciso poupar muito e dizer que não a muita coisa. Inclusivamente não tinha frigorífico, nem televisão, nem nada. Era só o indispensável porque era preciso concentrar todos os meios para conseguir vencer essas dificuldades, que eram muitas na altura. E trabalhar de manhã até à noite. Às vezes de manhã até às onze horas, meia-noite, durante vários anos, para conseguir vencer.

Ao princípio dizia que tendo aquelas máquinas já não preciso comprar mais nada. Depois vim a ver que não era assim. Cada dia aparecia sempre mais uma coisa que tinha que se ir comprando para acompanhar a evolução dos tempos. Então foram anos muito difíceis. Até ter mais ou menos o indispensável, foi preciso poupar muito e dizer não a muita coisa. Isto a vida não é fácil. Se eu fosse a desviar aqueles recursos que tinha para outras coisas depois faltava para o essencial. Eu queria trazer tudo direitinho, tudo pago. Não queria que me viessem cá bater à porta a dizer que eu não paguei. Assinava muitas letras. Letras bancárias que era preciso, de madeira, de máquinas ao princípio. Então chegava àquele dia por vezes ainda não sabia onde estava o dinheiro. Eu ia entregar uma mercadoria, mas por vezes havia uma dificuldade e por qualquer motivo a pessoa não pagava aquele dia. Isso era um problema. Aquilo era uma dor de cabeça, eu já não dormia aquele dia. Mas quis sempre trazer as coisas. Logo que eu me pude livrar dessas coisas comecei por optar ganhar primeiro e gastar depois. Mas antes como precisava da maquinaria para trabalhar eu tinha que fazer assim para ir ter as coisas e ir trabalhando. Uma vantagem é que também havia muito trabalho naquela altura e então desde que a pessoa trabalhasse ganhava dinheiro e também conseguia ir vencendo. Durante vários anos foi assim com muito trabalho. Quando as coisas já estavam mais equilibradas, já foi mais fácil.