“Coisas que nunca esquece”

Ela gostava tanto de mim que era assim: nós éramos pobres, tínhamos os básicos, mas não éramos abonados. Então o que era o nosso calçado? Eram uns tamancos. O meu pai aproveitava os cabedais do calçado, das botas e dos sapatos. Quando eles estragavam a sola, ele aproveitava os cabedais e metia-lhes uns paus. Fazia os paus e pregava-os. Então fazia-me uns tamancos. Era o calçado que a gente levava para a escola. Depois com aqueles tamancões, eu chegava à escola, os pés iam alagados em sangue. Eu ao andar batia com os tamancos nos calcanhares, nos artelhos e feria-me. Chegava lá, a professora tinha dó de mim, o que é que ela fazia? Tinha dois filhos e então ia buscar umas sandálias dos filhos e dava-me as sandálias com o dó de mim. Pronto, lá vinha eu toda contente com as sandálias calçadas. Enquanto elas duravam, tudo bem. Elas acabando lá tinha eu que calçar outra vez os tamancos. São coisas que nunca esquecem.