O Rancho do Manjerico

Eu casei-me do rancho, mas depois não sei o tempo que ele durou. Pois atrás daquele fez-se um rancho infantil. Ainda chegou a ser um rancho como se devia. Depois um casou para aqui, outro foi para ali, outro morreu, o ensaiador morreu e acabou por acabar tudo.

Andei sempre. O meu marido também não me proibia. Não se importava. Mas depois tive o meu filho e já mudou de figura. Era a dançar valsas e marchas e vira e fado. Aquele fado em volta, cantava esta, cantava a outra, cantava... Como agora não se faz. Sei tantas cantigas.

“É tão linda a minha terra,
Trago-a no coração.
Tem no meio a capela,
Da Senhora da Assunção.
É tão linda a minha terra,
Trago-a no coração.”

Quando o rancho se fundou tinha alguns 15 ou 16 pares, mas depois foi ficando mais fraco. Mas era um bom rancho. Tinha nome. Chegámos a ir a Coimbra, foram a Lisboa, também. Dançaram lá e fizeram boa figura. Eu já era casada nessa altura. Fui acompanhar o rancho que ia cantar, mas ainda tive que ir dançar, substituir um par. Era uma moda muito puxada, ela era fraquinha e eu fui substitui-la. Era aquela Dorinda de alma e coração para estas coisas. E para trabalhar também, na enxada também.

Ainda tenho uma farda do Manjerico. Era uma blusinha branca, com o folhinho. Assim como as blusas antigas, e tinham um bordado. Uma saia preta com um vasinho bordado com um manjerico, e as saias rodadas com a barra verde. É uma recordação.

Quem nos valeu muito no nosso rancho foi a música do Barril. Vinham à Benfeita aos ensaios e vingáramos muito à custa deles. Foi sim, porque a música encobria. Nem que o canto fosse fraco, encobria. Tocavam muito bem. O mestre da música gostava muito de mim porque eu convivia com ele, a respeito da música. Nunca fui de fazer canções. Nunca tive esse dom, de as cantar sim.

A gente ensaiava e depois tinha um papelito. Levava aquele papel para se orientar. Eles já iam sabidos, mas se houvesse um pequeno gato a gente ia ver. Eu sei uma canção que já a tenho cantado em várias partes, assim, no nosso particular, e gostam.

“Benfeita, terra querida,
Cercada de pinheirais e pálidos olivais,
Sobre montes verdejantes,
Benfeita, terra querida,
Tens doutores e estudantes,
Ai Benfeita, mas que linda terra és,
Deixa-me beijar-te os pés,
Benfeita meu ideal,
Digo, que em todo o Portugal,
Não há terra mais formosa,
Nem um povo tão leal.
À noitinha, junto às fontes, segredam os namorados,
E os rouxinóis nos silvados, soltam suas melodias.
De manhã ao romper da aurora, saúdam-te as cotovias.
Benfeita, terra ditosa,
Cercada de violetas.
Tens canções e tens poetas,
Serenatas ao luar.
Se os teus filhos, bem te cantam, também te quero cantar,
Ai Benfeita, mas que linda terra és,
Deixa-me beijar-te os pés,
Benfeita meu ideal,
Digo, que em todo o Portugal,
Não há terra mais formosa,
Nem um povo tão leal.”

Sei também o hino do antigo Rancho do Manjerico. O fundador foi o António Bernardo Quaresma, “Quinta-Feira”. O nome dele era António Bernardo mas toda a gente o chamava “Quinta-Feira”. E “Quinta-Feira” é mais conhecido. Não sei se foi ele que fez a cantiga, se foi o genro. O genro vendia cautelas. Esta canção não se ouve em lado nenhum. Eu nunca a ouvi. Ele é que trouxe para cá o Manjerico e um genro dele, que era também um ensaiador do rancho. Ele tocava guitarra e também ajudava, mas o genro é que era o autor.

“Ai que lindo que é o Manjerico,
No canteiro da tua janela.
Ai que lindo que é o Manjerico,
No canteiro da tua janela.
Tem cuidado, ó minha menina,
Ai dá-lhe o sol e deves ter muita cautela.
Tem cuidado, ó minha menina,
Ai dá-lhe o sol e deves ter muita cautela.
É tão linda a minha terra, trago-a no coração.
É tão linda a minha terra, trago-a no coração.
Tem no meio a capela, da Senhora da Assunção.
Ai que linda que é a Benfeita,
Num cantinho à beira da serra
É a rainha das terras da Beira,
Pelos brazões e as belezas que ela encerra.
É a rainha das terras da Beira,
Pelos brazões e as belezas que ela encerra.
Tens poetas de valor,
Que à nação dão lições.
Tens poetas de valor,
Que à nação dão lições.
Doutor Marcelo Matias e o poeta Simões.
Ai que linda que é a Benfeita,
Encantadora pela simpatia.
Foste o berço do grande poeta e professor doutor José Simões Dias.”

Depois de casar ainda andei dois anos a dançar o “Ai ó Linda”. Eu tinha muita pena de deixar aquela vida da mocidade. Andei a fazer greve.